Opinião
Monitoramento econômico-financeiro das distribuidoras
Uma distribuidora de energia elétrica tem a inércia de um transatlântico: sem investimentos, demora muito para piorar; com investimentos, demora muito para melhorar. Por isso, a tendência é que funcione aos ciclos. Na fase da bonança (na ótica dos acionistas) ocorre farta distribuição de dividendos. É quando os executivos são elogiados e premiados. Caso se trate de uma situação sustentável, ótimo! Às vezes, porém, não é. O lucro pode ter sido espremido de um magro Opex, insuficiente para permitir a formação de boas equipes técnicas e a adoção de eficientes práticas gerenciais. Ou talvez a distribuição do lucro tenha limitado o Capex, tornando-o insuficiente para atender ao aumento de carga e à reposição de equipamentos depreciados.
Recordo de uma conversa com um representante dos acionistas de uma distribuidora que queria a qualquer custo que se mantivesse a distribuição de dividendos prometida aos acionistas anos antes, por ocasião da apresentação do business plan, mesmo com a constatação ex post de que a evolução da receita havia sido muito aquém da projetada. A adoção dessa posição implicaria deterioração da qualidade dos serviços, constituindo opção a favor dos acionistas e em desfavor dos consumidores.
Quando há distribuição insustentável de lucros, os problemas econômicos e operacionais podem tardar, mas inescapavelmente aparecem. Na forma, por exemplo, de redução da tarifa devido ao encolhimento da base de remuneração e/ou na piora da qualidade do serviço. Quando os primeiros problemas aparecem, os executivos já não são tão elogiados. No início da nova fase, às vezes são estimulados a prorrogar a bonança financeira, ainda que artificialmente. Em geral, isso significa adiar o inescapável reforço de cortar na carne o Opex, o que frequentemente resulta na evasão dos melhores técnicos, na perda da memória institucional e no agravamento da crise.
Diante desse quadro, o Poder Público deveria ampliar sua área de atuação, passando a regular, também, a governança das concessionárias de serviço público? Na realidade, não! O que o país precisa é de mais empreendedorismo e menos tutela do Estado. Isso não significa que a Aneel deva se abster de tratar do assunto. Ao contrário, a Aneel deve ter condições de acompanhar a distância a gestão das concessionárias para, quando estritamente necessário, intervir nas situações em que haja ameaça ao interesse público.
A Consulta Pública Aneel nº 15/2014 propõe a criação de Indicadores Públicos de Sustentabilidade Econômica e Financeira, para dar transparência ao desempenho das distribuidoras em diversas dimensões, incluindo endividamento, eficiência, investimentos, rentabilidade e retorno ao acionista. A Nota Técnica nº 345/2014-SFF/Aneel descreve metodologia para prover o regulador de capacidade de monitorar “cada distribuidora para avaliar sua real capacidade de realizar os investimentos necessários para manter ou melhorar a qualidade do serviço prestado, bem como de se manter adimplente ... Há uma relação de causa e efeito entre dificuldades econômico-financeiras e dificuldades operacionais ... A partir da definição clara da metodologia utilizada e dos parâmetros mínimos de sustentabilidade econômica e financeira estabelecidos pelo regulador, será possível avançar na simplificação de procedimentos para os agentes com indicadores saudáveis, tais como a necessidade de Anuência Prévia para determinadas operações comerciais e financeiras”.
Há duas outras medidas que a Aneel poderia adotar para amortecer a alternância entre bonança e crise, em benefício dos consumidores e dos investidores de longo prazo. Primeiro, premiar no processo tarifário as empresas que decidissem atrelar os bônus de seus executivos exclusivamente a resultados de longo prazo. Por exemplo, ao valor da ação oito anos depois da assunção de função diretiva. Segundo, não renovar os contratos de concessão que vencem nos próximos anos de distribuidoras que tenham ocupado sistematicamente os últimos lugares no ranking Aneel de qualidade. Essa medida sinalizaria claramente que o Poder Público não tolera a contínua má prestação do serviço público.