Opinião
Mudança regulatória para quê?
'A alegação do governo de que a partilha permitirá maior controle sobre a utilização dos recursos petrolíferos não procede'
O processo exploratório pode originar uma descoberta que, submetida a um programa de avaliação, permita, depois de elaborada análise, definir se a descoberta é comercial ou não. Caso decida que é comercial, a empresa prepara um plano de desenvolvimento que, uma vez aprovado pelo órgão governamental, é implantado, e o campo entra em produção. As receitas líquidas geradas pelo campo são, de algum modo, repartidas entre a empresa de petróleo e o governo.
No modelo de concessão, a parte do governo se traduz em recursos monetários expressos em bônus (pago antecipadamente para obtenção da concessão), royalties, impostos diretos e indiretos e Participação Especial (no caso brasileiro). No modelo de partilha, como o nome indica, o petróleo ou gás produzido, feitos os descontos de custos e investimentos que viabilizaram a produção e os custos operacionais correntes, é dividido entre o governo e a empresa de petróleo, com base em percentual definido previamente. O que faz o governo com sua parte? Vende para o mercado, na primeira oportunidade, monetizando o produto. Há outra diferença: como custos e investimentos, em caso de sucesso, serão reembolsados, é preciso maior cautela do governo para evitar lançamentos, apropriações e mesmo operações indevidas. E isso gera quase sempre instabilidade, insegurança e frequentes acusações de corrupção.
Os contratos de concessão são típicos de EUA, Canadá, Reino Unido, Noruega, Austrália, grandes produtores de petróleo e gás; os de partilha, de Nigéria, Angola, Líbia, Egito, Cazaquistão, China, também grandes produtores, mas de perfil bem diferente. Na Rússia, os “direitos” das antigas províncias soviéticas viraram “concessões”. No momento, quase toda a produção russa de petróleo e gás, que atingiu em 2008 algo como 20 MM de boe/d, provém de muitas empresas, mas concentra-se em cinco grandes, duas sob controle estatal. Descobertas no fim dos anos 1990, as áreas offshore das Ilhas Sacalinas e na região polar, com várias majors envolvidas, foram objeto de três contratos de partilha, sujeitos ainda hoje a uma plêiade de questionamentos e ainda em fase de implantação. Não foi criada estatal para administrar esses contratos.
Projetos em blocos vizinhos, numa mesma bacia, sujeitos a regimes diferentes, como poderá ocorrer no caso brasileiro, caso os projetos de lei enviados pelo Executivo ao Congresso sejam aprovados, trarão grandes dificuldades no gerenciamento e na apropriação dos custos e, sem dúvida, enormes dificuldades nos projetos de unitização que fatalmente ocorrerão, provocando considerável atraso nos programas de desenvolvimento e na produção. A alegação do governo de que a partilha permitirá maior controle sobre a utilização dos recursos petrolíferos não procede. A melhor forma de exercer o controle desses recursos é com a frequência das licitações dos blocos de pré-sal, disponibilizados de cada vez. E isso o governo já vem fazendo, há tempos, na medida em que nada ocorre nesse aspecto desde a 8ª Rodada, em 2007, e não se tem a menor ideia de quando será lançada a 11ª Rodada, situação extremamente negativa para maior conhecimento dos modelos exploratórios e entendimento do comportamento dos reservatórios carbonáticos.
Mas o que é pior, e desnecessário, é atribuir a uma única companhia, a Petrobras, o comando de todas as operações, a cessão onerosa ou não de contratos a essa empresa, e a obrigatoriedade de conferir-lhe pelo menos 30% em todos os blocos que vierem a ser submetidos a licitação, situação que também é, sem dúvida, prejudicial à própria Petrobras. Tudo indica que isso é claramente inconstitucional. Independentemente disso, além do inusitado dentro das boas práticas da indústria, a ausência de competição inibe o desenvolvimento tecnológico, a inovação, o desenvolvimento dos projetos e das operações a custos mais baixos, numa área carente da materialização imediata dessas condições. Petro-Sal é outra questão inusitada e desnecessária. Quanto ao aporte de capital na Petrobras (esse é apenas um dos objetivos de um dos PLs), há tanta irregularidade jurídica que isso com certeza não vai progredir.
A distribuição das riquezas advindas do pré-sal, e também do pós-sal, é uma questão que merece ampla discussão pela sociedade. Vai levar tempo e não seria preciso mudar o modelo de contrato para isso, nem perturbar o processo de E&P.
Enfim, não há justificativa técnica, econômica ou estratégica – do ponto de vista do progresso do país – para mudança do modelo regulatório. Há emendas nesse sentido que precisam ir para a frente!