Opinião
Muita energia, pouca mão de obra
Artigo de Marcelo Braga, da Search Consultoria em Recursos Humanos
Cada vez mais economicamente viáveis, as energias renováveis geram números impressionantes. Em todo o mundo, somente em energia eólica, a capacidade instalada saltou de 6,1 GW para 282,4 GW entre 1996 e 2012, segundo dados do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC). A China é o maior investidor em energia renovável, enquanto o Brasil é o quinto da lista, segundo relatório da ONU de 2011. Com a abundância de rios, sol e ventos, era de se esperar que o Brasil trilhasse este caminho. Seu potencial eólico instalado é o 15º maior do globo e o primeiro da América Latina.
Os investimentos por aqui ainda se concentram em eólica, solar e em biocombustíveis. Grande parte vem do setor privado, com apoio do BNDES, e de gigantes multinacionais. Até 2012, os investimentos aumentaram. Em 2013, porém, houve queda, causada pelo baixo crescimento econômico local, pela crise mundial e pela Medida Provisória 579, que assustou investidores e gerou incertezas regulatórias.
O recuo mudou o patamar da energia limpa na América Latina, redirecionando investimentos para outros países, como Chile (solar), México (eólica) e Uruguai (eólica e solar), que juntos somaram mais de US$ 1 bilhão no ano passado.
As perspectivas para 2014, porém, são positivas. Estudo recente da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) afirma que o setor deve abrir em todo o mundo mais de 11 milhões de postos de trabalho, e o Brasil também irá se beneficiar.
E de onde viriam os profissionais? Estamos preparados para a demanda? Infelizmente, a resposta é a mesma: não. O alerta não é novo. É notória a carência de engenheiros e tecnólogos, em quantidade e, sobretudo, em qualidade. Há 15 anos nossos engenheiros “de ponta” não deviam aos dos países desenvolvidos. Hoje, nossos engenheiros “de ponta” vão fazer graduação no exterior. E o pior: muitas vezes acabam ficando por lá.
O número de cursos e de vagas em engenharia cresce, mas a maioria dos estudantes ingressa sem base adequada ao aprendizado. Resultado: os engenheiros que se formam, de maneira geral, apresentam um nível mais baixo que os “de antigamente”. Mesmo com o aumento no volume, o número de formandos é insuficiente. Segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o déficit no Brasil é de 20 mil engenheiros por ano.
O cenário é exatamente o mesmo para tecnólogos. Diante disso, é preciso atentar para a qualidade. Caso contrário, jogaremos a responsabilidade pela formação dos profissionais para as empresas, que contratarão mão de obra sem a base necessária e terão de suprir essa carência com forte treinamento.
Outro dado é que a maior parte dos investimentos em pesquisa no país está nas universidades, enquanto nos países desenvolvidos está nas empresas. Se isso não mudar, a falta de profissionais será mais um gargalo para o crescimento econômico brasileiro, juntando-se aos outros, de infraestrutura, saúde e ética.
E no caso de um setor relativamente novo, como o de renováveis, isso é ainda mais latente. Sem investimentos necessários na formação de profissionais, vai ocorrer uma migração de talentos de setores mais maduros, como automotivo, químico e petroquímico, para energias renováveis. Atraídos pelo novo, por desafios inéditos e certamente por propostas financeiras mais atrativas, esses talentos experimentarão a mudança.
Outra possibilidade será a importação de mão de obra especializada, em que as empresas investidoras no país trarão consigo o capital intelectual. Isso obviamente tem um preço. Esses profissionais são mais caros, e isso sem dúvida impactará também o custo da energia. Entretanto, o maior impacto é não estimular o desenvolvimento do conhecimento local.
Tudo indica que o Brasil, novamente, vai exportar matéria-prima e importar produtos de alto valor agregado, deixando os lucros para os países desenvolvidos. Se não mudarmos o rumo, o mesmo acontecerá com os profissionais. Os brasileiros terão os empregos básicos, e os estrangeiros, os melhores postos.
Marcelo Braga é sócio da Search Consultoria em Recursos Humanos