Opinião

O conteúdo intelectual

A coluna bimestral de Armando Cavanha Filho

Por Redação

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Um dia, no Brasil lá do passado, foram as proibições às importações. Depois, a substituição de partes e peças de manutenção importadas por equivalentes nacionais. Atualmente, o conteúdo local mínimo para os projetos de óleo e gás. O que vem pela frente?

O foco da aplicação do conteúdo local nos investimentos em petróleo está em ativos físicos, equipamentos, materiais e serviços. Há, sim, o ingrediente capacitação, mas a variável que influi nas licitações de blocos exploratórios e produz possíveis multas é a do atendimento ao percentual financeiro nacional/importado. Planilhas, contas, empresas certificadoras, credenciadoras, um sistema complexo – mas não tão eficaz. Uma vez que o centro de medição está no produto final, pode não tratar igualmente a cadeia produtiva a montante – componentes, subprodutos intermediários, infraestrutura de produção.

Um exemplo: produzimos o copinho plástico, mas frequentemente a máquina que faz o copinho vem de fora. O insumo plástico, por vezes, é patente estrangeira. Quase sempre importamos, também, as máquinas que fazem máquinas (máquinas operatrizes). Da mesma forma, fazemos exames médicos no país, mas os equipamentos de ultrassom, tomografia, raios X, são quase todos importados.

As engenharias têm pouca influência no conceito, nas decisões de negócio, momento da melhor chance de direcionar estrategicamente o conteúdo local. Na definição de tamanho e quantidade de cada sistema e do tipo de contratação, integrada ou desmembrada, podem residir importantes viabilidades nacionais. Especificar uma bomba que se fabrica apenas no país “Y” ou três menores equivalentes que seriam fabricadas localmente se faz na engenharia inicial. Obviamente, considerando economicidade, eficiência, mas também flexibilidade, manutenção, fabricação local e custo total mínimo.

Mas há, sim, uma etapa posterior ao conteúdo local. É o conteúdo intelectual, entendido como o conjunto de qualificações, habilidades, conhecimento e criatividade de uma fronteira populacional.

Exemplos recentes são a Coreia do Sul e a China. No passado, foi o Japão. Absorvem as fábricas, depois a pesquisa operacional, o controle da qualidade, a invenção, a patente. O ciclo completo, sem lacunas. Como isso é feito? “Não há nada que resista a uma boa educação, com ela conseguimos até que os ursos dancem”, disse Claude A. Helvécio, filosofo francês que viveu de 1715 a 1771.

Não é suficiente se for de poucos, só possui massa crítica se for de muitos. Uma população homogeneamente capaz. E não apenas “o que fazer” é importante, mas o “como fazer” toma alta relevância. A pesquisa passa a ser operacional, focada na solução de problemas reais.

Significa estudar e aprender a fazer máquinas que produzem e suportam processos e outras máquinas. Por exemplo, sabemos contratar as tecnologias de perfilagem de poços ou geofísica marítima; mas as tecnologias e os equipamentos são todos estrangeiros. Não há nada contra ser do exterior, mas, se não avançarmos, estaremos sujeitos à desindustrialização do que já temos.

Há vários exemplos de ações, como ter escolas técnicas por todos os cantos do país, realizar contratações horizontais (integradas), ter a engenharia brasileira na fase do conceito, trocar uma parte do dinheiro por ações de participação nos lucros de colaboradores, etc. Ter um plano que seja uma obsessão. Não uma oferta, mas sim uma obrigação.

Com um novo patamar intelectual, as idéias e as soluções iriam brotar naturalmente. As demandas seriam entendidas. As ofertas não seriam reprimidas. O país deixaria de ser o palácio dos diagnósticos e promoveria o empreendedorismo e a iniciativa colaborativos.
Refazemos em demasia as análises, trocamos inesperadamente o objeto da síntese e derrapamos consideravelmente nas implementações.

Desvios necessitam ter consequências simples e diretas, reduzindo a necessidade do excesso de filtros preventivos nos processos produtivos. Somos burocráticos porque não há consequências para os desvios. Então, requer-se esforços enormes para desvendar previamente ilicitudes possíveis, porque, caso elas aconteçam, nada mais há a fazer. Vira perda.

Os últimos governos têm mostrado já terem tido essa percepção, ainda que de maneira acanhada. Há uma enorme esperança para os próximos tempos. Já demos passos importantes em diversos segmentos, porém há ainda insatisfação com os vazios sistêmicos e diários.
Um dia, no futuro, teríamos um novo indicador nas licitações: o índice do conteúdo intelectual.

A coluna de Armando Cavanha Filho é publicada a cada dois meses
E-mail: cavanha@yahoo.com

 

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