Opinião

O custo que poucos falam. Parte 2: Curtailment

A revisão profunda nos subsídios, sem beneficiar uma ou outra fonte, e um planejamento controlado da expansão da matriz são ações urgentes para uma transição energética justa com menor custo para a sociedade

Por Levi Souto Jr.

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Em nosso artigo de 29 de janeiro, falamos de um custo que poucos têm falado, o do vertimento turbinável das usinas hidrelétricas. O vertimento turbinável é a quantidade de água vertida (em MW) nas hidrelétricas que poderia ter sido convertida em energia, mas que não foi porque o sistema não precisava, pois já estava sendo atendido pelas demais fontes, especialmente as eólicas e solares, que cresceram muito e de forma não planejada nos últimos anos.

Em 2023, o vertimento turbinável foi de 6,0 GW médios, que representam 8% da demanda de energia anual. A previsão é se manter nesse patamar nos próximos anos. Neste artigo, vamos abordar outro custo que poucos falam: o curtailment.

O forte aumento das fontes eólicas e solares traz desafios na operação do sistema, além do vertimento turbinável que acarreta perda de receita para as hidrelétricas; tem ocasionado perdas para essas fontes. Em vários momentos do dia em que há bastante vento e sol, a geração excede a demanda, há uma sobreoferta levando o operador do sistema (ONS) a desligar diversos geradores eólicos e solares (e hidrelétricos também). Essa restrição tem um nome especial em inglês: curtailment. Ressaltamos que os vertimentos e o curtailment também podem ocorrer por restrições no sistema de transmissão, mas a maior parte ocorre devido ao excesso instantâneo de geração renovável.

A Figura 1 mostra o curtailment de geração eólica nos últimos 12 meses. Percebemos a maior restrição de geração no segundo semestre, quando, historicamente, temos o aumento da geração eólica. Em setembro de 2023, tivemos 1.250 GWh de energia cortada (1.736 MW médios), que equivale a 14% da geração eólica do mês.

Figura 1: Curtailment para a fonte eólica no período agosto de 2023 a julho de 2024. Fonte: ONS, adaptado

A redução da geração impacta no faturamento dos agentes que, ao não entregar a energia contratada, têm que adquirir esses montantes no mercado de curto prazo para honrar seus contratos. Ao quantificarmos a restrição de geração com o respectivo PLD, para setembro de 2023, temos uma perda de receita de mais de R$ 100 milhões, apenas para um único mês. Nos últimos 12 meses, o montante ultrapassa R$ 385 milhões!

Figura 2: Perda de receita devido ao curtailment da geração eólica

Para a fonte solar, trazemos os dados apenas dos últimos quatro meses, quando o ONS passou a publicá-los. O curtailment chega a 8% da geração solar do mês de julho, e esse valor tende a aumentar devido ao rápido crescimento da capacidade instalada solar e, devido ao aumento sazonal no segundo semestre, em que temos menos chuvas, portanto, mais sol.

Figura 3: Curtailment para a fonte solar no período de abril de 2024 a julho de 2024. Fonte: ONS, adaptado

Da mesma forma para a solar, a perda de receita em julho foi de R$ 24 milhões, como apresentado na Figura 4 a seguir. Nesse mês, adicionando-se a perda decorrente da restrição da geração eólica, temos uma redução de R$ 99 milhões no faturamento desses empreendimentos.

Figura 4: Perda de receita devido o curtailment da geração solar

O problema cresceu tanto que as associações dos geradores eólicos e solares entraram com medidas judiciais para garantirem a manutenção de suas receitas. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.

Os subsídios que as fontes eólicas e solares fazem jus catalisaram esse crescimento desordenado. E na disputa de quem tem mais lobby, os subsídios tendem a se manter nos próximos anos, mesmo já não sendo mais necessários, pois essas fontes já se viabilizam de forma competitiva sem tais incentivos.

Com dificuldade de retirar os subsídios não mais necessários e sem um planejamento com alguma determinação, o sistema vai crescendo de forma não ótima e a conta ao consumidor aumenta ano a ano. Reflexo disso é a CDE (conta de desenvolvimento energético), sem contenção, saiu de R$ 14 bilhões em 2013 e chegou em R$ 35 bilhões em 2023, um aumento de 150% (Figura 5). A CDE acabou sendo um fundo para receber e bancar subsídios do setor elétrico que, no início, tem uma demanda legítima, mas que, em algum momento, precisa ter um fim. Mas, aí, já é outra novela.


Figura 5: Dispêndio anual da CDE 2013 a 2023. Fonte: Aneel (O = orçado)

A conta que antes caía apenas para o consumidor, agora começa a afetar também os geradores. Com uma perda de receita que já chega a R$ 500 milhões desde 2023 por conta do curtailment, as fontes eólicas e solares estão experimentando a dor causada pelo seu próprio crescimento.

Uma revisão profunda nos subsídios de forma equalitária, sem beneficiar desnecessariamente uma ou outra fonte, e um planejamento controlado da expansão da matriz elétrica, são ações urgentes para termos uma transição energética justa com menor custo para a sociedade.

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