Opinião

O mercado de energia e o efeito Santo Antônio

Por Redação

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As notícias veiculadas sobre as novas obras para geração de energia sempre despertam curiosidade e preocupação dos agentes econômicos e dos futuros usuários, ainda mais no atual momento em que os preços da energia batem o teto máximo com a crescente judicialização das questões regulatórias.
Essa justa inquietação se deve ao fato de que no sistema elétrico brasileiro ocorre o “efeito borboleta”, ou seja, qualquer acontecimento na entrada em operação de uma geradora afeta, direta ou indiretamente, os agentes do mercado e usuários. No caso da usina Santo Antônio, dá-se o mesmo fato, mesmo sabendo-se que a construção e a operação da UHT é de responsabilidade do consórcio vencedor do Leilão nº 05/2007 (A-5).

Como é sabido, houve atrasos no cronograma, os quais foram defendidos e justificados pela geradora e parcialmente reconhecidos pela Aneel. No entanto, durante o prazo necessário, a deliberação do pedido administrativo de reconhecimento da excludente de responsabilidade, a UHT foi “onerada” com a obrigação de recompor o lastro de energia e pagamento de encargo pelo uso do sistema de transmissão.
Esse dever se originou na decisão da Aneel em que aprovou o Projeto Básico Consolidado Alternativo da UHE Santo Antônio aditando a isso o encargo de firmar o termo de cessão de lastro. Também foi determinado que a cessão de lastro deveria ser contabilizada em nome da ESBR, para que se equalizasse do CUST das UHEs Santo Antônio e Jirau.

Na trilha dos conflitos que vêm impactando o setor de energia, essa questão também foi judicializada, o que sabidamente traz mais inquietude ao mercado. Como resultado das medidas judiciais impetradas se verifica, até a presente data, que há uma abstenção de se aplicar quaisquer sanções administrativas à geradora.
É claro que a energia que seria gerada pela antecipação do cronograma de implantação da UHE seria disponibilizada no mercado livre. Esse fato, como noticiado, não ocorreu. Com isso, há discussões sobre os efeitos do atendimento às normas do mercado de energia em virtude da impossibilidade de a geradora suprir a energia contratada no mercado livre e no regulado. Nesse cenário, vislumbra-se a insegurança contratual para os contratantes de ambos os mercados, fato que se tem repetido nos últimos anos.

Na análise das decisões das várias instâncias do Poder Judiciário afetas a esse caso, também merece destaque a discussão sobre os limites do Poder Judiciário, considerando a tecnicidade da questão e o princípio da independência e harmonia dos Poderes: quando instado a se manifestar acerca de algum ato administrativo, deve agir com cautela, nos estreitos limites da legalidade, mormente em se tratando de questões relativas a atos administrativos de agências reguladoras, cujo âmbito de atuação se dá com fulcro em legislação com ampla especialização técnica no mercado regulado.

Assim, se verifica mais uma vez que o setor de energia necessita de planejamento de longo prazo, com avaliação e previsão clara e racional de todos os riscos envolvidos na construção de uma grande obra. O querer gerar energia elétrica está muito longe do poder gerá-la. Depreende-se que, num caso como esse, não há ganhadores, porque todo o mercado tem prejuízos, especialmente os consumidores na ponta do sistema.

Mais uma vez, fica evidenciada a interconexão dos contratos de compra e venda de energia e a cadeia de obrigações criada para os agentes do setor. Portanto, é exigível uma imperiosa avaliação das interligações contratuais e os efeitos financeiros, não só isoladamente para uma determinada obra, mas para a totalidade do mercado.

Consequentemente, qualquer alteração no cronograma de obra que serviu de base para a contratação da energia no mercado livre ou no regulado ordena acurada ponderação com  ampla perspectiva, em que se dimensionem os riscos regulatórios e contratuais envolvidos e consequentemente: i) os valores envolvidos e ii) as medidas de mitigação. Por último, informamos que até a redação deste comentário não havia decisão conhecida acerca da excludente de responsabilidade da UHE.

Maria D’Assunção Costa, autora do Dicionário do Direito da Energia, é sócia da Assunção Consultoria

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