Opinião
O novo etanol está chegando
As dificuldades atuais da indústria brasileira de etanol têm sido amplamente noticiadas. Fechamentos de usinas são anunciados com frequência. As usinas declaram prejuízos e questionam os efeitos da contenção dos preços da gasolina sobre a rentabilidade do etanol. Ao mesmo tempo, observa-se que a indústria perdeu competitividade nos últimos anos com aumentos de custos e quedas de produtividade, principalmente na parte agrícola. Muitos estudos e debates têm buscado explicações e propostas de soluções.
Por certo, uma política transparente e estável de preços de combustíveis é indispensável para o planejamento do setor. Não há como contestar essa reivindicação. Mas se isso é importante, não é tudo. Para sair da crise e encontrar uma nova trajetória de crescimento, a indústria brasileira de etanol precisa identificar as oportunidades existentes e encontrar as estratégias de inovação para explorar essas oportunidades. O futuro do setor está na busca de inovações que o coloquem de forma competitiva na linha evolutiva da indústria baseada em biomassa, na chamada bioeconomia.
A boa notícia é que esse processo já começou e o novo etanol está chegando: é o etanol de segunda geração ou etanol 2G, que se refere ao etanol produzido a partir de resíduos agrícolas, no caso brasileiro a partir da palha ou do bagaço de cana. Estamos vivendo no Brasil o ano 1 do etanol 2G com a partida próxima da planta da Granbio em Alagoas, a partir de palha de cana, e a conclusão da planta da Raízen em Piracicaba, a partir de bagaço.
Os volumes ainda serão modestos em relação à produção total de etanol no Brasil, mas o novo conceito traz grandes elementos de transformação da indústria na busca de uma trajetória de crescimento e prosperidade.
Como e por que o etanol 2G pode transformar o setor e abrir as portas para o futuro da indústria? O que representa a entrada do novo etanol?
Naturalmente, a primeira razão que vem à mente é o aumento da produtividade com a possibilidade de produção de mais etanol na mesma área. É difícil estimar com precisão esse aumento, mas podemos dizer que poderíamos ter pelo menos mais 30% de etanol.
Mas além desse aumento de volume, quatro outras razões justificam que se veja o etanol 2G como um vetor de transformação da indústria.
Primeira razão: o novo etanol coloca em operação novas tecnologias e novos conhecimentos
As tecnologias para fazer o tratamento da palha ou do bagaço de modo a liberar os açúcares simples contidos na celulose e hemicelulose são um passo incontornável para o futuro da exploração da biomassa como matéria-prima industrial. A biotecnologia avançada precisa de açúcares para os processos fermentativos e enzimáticos e o chamado açúcar de segunda geração – o açúcar contido nos materiais lignocelulósicos, impróprio para consumo humano – é o ponto de partida da indústria do futuro. Produzir o etanol 2G significa realizar em escala industrial essa conversão crítica para o futuro de toda a bioeconomia.
Tornar-se capaz de tratar o material lignocelulósico para obter açúcares simples abre uma oportunidade de exploração de outras matérias-primas além da cana e também de modificar o próprio tipo de cana, investindo no desenvolvimento da cana energia, de maior produtividade mas menor teor de sacarose. Essa é uma linha de desenvolvimento buscada pela Granbio e por outras empresas e centros de pesquisa que seria impulsionada pelo domínio das tecnologias de tratamento que o etanol 2G exige.
Além disso, organizar a produção a partir de resíduos industriais é um desafio de estruturação de uma cadeia de suprimento que as empresas estão aprendendo a responder. Relatos da Granbio com a palha de cana no Brasil e da Du Pont com os resíduos do milho (palha e folhas) nos EUA ilustram a complexidade do processo de estruturar a aquisição e a oferta regular dessas matérias-primas antes não utilizadas. Esse aprendizado é pioneiro e vai ser incorporado aos muitos processos industriais de aproveitamento de resíduos agrícolas que vão ser desenvolvidos.
Segunda razão: O novo etanol facilita o surgimento de novos produtos
Naturalmente, o etanol 2G é, do ponto de vista químico e de suas propriedades como combustível, idêntico ao etanol convencional. Uma diferença que pode ser importante para o mercado internacional é a condição de combustível avançado do ponto de vista ambiental. Isso pode valer um espaço privilegiado em alguns mercados, em razão, por exemplo, de uma maior redução das emissões de CO2, sobretudo em relação ao etanol convencional de milho. Mas o potencial mais interessante do etanol 2G é que o seu surgimento facilita o desenvolvimento de novos produtos, combustíveis ou produtos químicos. A familiaridade com um processo industrial mais complexo, a disponibilidade dos açúcares 2G e a eventual separação dos açúcares de cinco e seis carbonos são fatores que abrem para o produtor de etanol 2G oportunidades de novos produtos. A Granbio costuma apresentar o etanol 2G como uma espécie de prova de conceito que vai abrir o campo para outros produtos, o que até já tem sido anunciado com o projeto de biobutanol em associação com a Solvay.
Terceira razão: o novo etanol traz novas empresas para a indústria
A produção do etanol 2G começa a deslanchar em 2014, não só no Brasil. Nos EUA por exemplo, dois projetos importantes, o da Poet/DSM e o da Du Pont, também estão em início de produção. Ao lado da M&G na Itália, que iniciou a produção em 2013, forma-se assim o grupo dos pioneiros da indústria. Nesse processo, novas empresas com novas estratégias e modelos de negócios entram na indústria. É muito importante para a indústria da biomassa que empresas como Du Pont e DSM coloquem seus conhecimentos e competência nesses empreendimentos. No caso brasileiro, é extraordinário que uma nova empresa como a Granbio tenha sido criada e construído uma das primeiras plantas de etanol 2G do mundo.
Quarta razão: o novo etanol aproxima a indústria do conceito futuro de biorrefinaria integrada
A utilização sustentável da biomassa para a produção de biocombustíveis, produtos químicos, materiais e energia exige sem dúvida o desenvolvimento de novos conceitos de indústria. Esse novo conceito, ainda em processo de construção, costuma ser designado como biorrefinaria integrada. A ideia central é a de aproveitamento da biomassa integrando os processos de tratamento e conversão, de modo a minimizar ou zerar os resíduos a serem descartados. Esse conceito deve potencialmente permitir não só um melhor resultado ambiental como também econômico. Por certo, há pesquisas e desenvolvimentos a serem feitos para nos aproximarmos dessa ideia de biorrefinaria. Mas o etanol 2G, principalmente nas versões integradas com o etanol convencional de cana como as desenvolvidas no Brasil, representa um passo na direção do conceito de biorrefinaria integrada.
Em resumo, o novo etanol abre as portas do futuro para a indústria. Na verdade, abre as portas da era pós-etanol que se aproxima. Isso não quer dizer menos etanol, ao contrário. Mas sim novos produtos, combustíveis ou químicos, nova interface com a indústria química, e, espera-se, uma nova trajetória de crescimento. Salve o novo etanol!
José Vitor Bomtempo é professor e pesquisador associado do GEE/UFRJ, professor do Programa de Pós-Graduação da Escola de Química da UFRJ e doutor em Economia Industrial pela École Nationale Supérieure des Mines de Paris.