
Opinião
O papel das hidrelétricas reversíveis na estabilidade do sistema
Nos Estados Unidos, Europa e Ásia, essas usinas são fundamentais para a estabilização da rede elétrica e para a integração de fontes renováveis

O Brasil se prepara para um marco com o primeiro Leilão de Reserva de Capacidade (LRCap), a ser promovido pela Aneel ainda neste ano, a fim de garantir segurança energética ao Sistema Interligado Nacional. Uma excelente oportunidade para impulsionar novas opções de geração de energia, como as Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs), que oferecem flexibilidade, estabilidade e sustentabilidade ao setor elétrico.
A necessidade dos Leilões de Reserva de Capacidade (LRCap) surgiu devido ao crescimento acelerado das fontes renováveis, impulsionado por subsídios, gerando um excesso de energia intermitente em horários com baixa demanda e escassez de energia despachável nos momentos críticos, como os horários de pico.
Esse desequilíbrio provoca cortes forçados na geração (curtailments), causando desperdícios financeiros e aumentando a insegurança no setor. Por isso, o LRCap se tornou uma solução para garantir estabilidade, atraindo investimentos em soluções que possam fornecer potência flexível e confiável ao sistema elétrico brasileiro.
Para quem não conhece, as UHRs funcionam como “baterias hidráulicas”, armazenando energia ao bombear água de um reservatório inferior para um superior em períodos de baixa demanda. Quando a demanda aumenta, a água é liberada, gerando eletricidade de forma rápida, limpa e eficiente. Essa tecnologia serve para complementar fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, oferecendo uma solução confiável para o armazenamento em larga escala.
Apesar do enorme potencial, o Brasil explora pouco essa tecnologia. Foi pioneiro com a Usina Elevatória de Pedreira, inaugurada em 1939, mas possui hoje poucos exemplares, muitos deles desativados ou operando como estações elevatórias. Estudos indicam que o Brasil possui centenas de locais propícios para novas UHRs, especialmente em regiões montanhosas e próximas a fontes renováveis, mas a ausência de um marco regulatório específico impede avanços significativos.
A Aneel está ciente desse gargalo e já trabalha para superá-lo. Com o Relatório de Impacto Regulatório nº 1/2023 e a Consulta Pública nº 039/2023, busca criar um ambiente competitivo que atraia investimentos para esse setor. Além disso, o modelo de remuneração por capacidade, adotado nos LRCaps, é um passo importante para viabilizar as UHRs, oferecendo previsibilidade de receita e reduzindo riscos econômicos para os investidores.
Existem três arranjos para a construção das UHRs: ciclo aberto, fechado e semiaberto. O ciclo aberto utiliza corpos d’água naturais, proporcionando flexibilidade, mas com impacto ambiental. O fechado usa dois reservatórios artificiais, sem contato com corpos d’água naturais, o que reduz o impacto ambiental, mas demanda, em tese, mais investimento. Já o semiaberto, reaproveita reservatórios existentes, minimizando custos e impactos ambientais, além de permitir integração rápida com a rede elétrica.
A experiência em outros países comprova o valor estratégico das UHRs. Nos Estados Unidos, Europa e Ásia, essas usinas são fundamentais para a estabilização da rede elétrica e para a integração de fontes renováveis, devido à sua flexibilidade operacional e capacidade de armazenamento. O Brasil tem assim a oportunidade de seguir esse caminho, aproveitando as lições globais para criar um marco regulatório eficiente que atraia investimentos, garanta a segurança energética e consolide o país como líder em energias renováveis.
* Diego D. Baptista de Souza é mestre em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental pela UFPR, especialista em Energias Renováveis e COO da Unidade de Engenharia do Grupo Nova Participações