Opinião

O setor elétrico brasileiro perdido em seus labirintos

Por Redação

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O setor elétrico no mundo hoje é marcado pela transição elétrica. A transformação radical da matriz de geração de eletricidade em direção às novas fontes de energia renováveis (eólica e solar) é o fator determinante no desenho da agenda desse setor nas próximas décadas.

A partir dessa agenda é que surgirá um conjunto articulado de inovações tecnológicas, organizacionais e institucionais que definirá o novo espaço econômico ocupado pelas atividades que envolvem a produção e o uso da eletricidade.

Dado o quadro de incerteza radical envolvido nessa definição, as instituições têm um papel estratégico nesse processo, com o Estado sendo peça chave na gestão e arbitragem dos elevados custos econômicos, sociais e políticos derivados da transição.

Nesse contexto, o papel do mercado é naturalmente restringido face às indeterminações drásticas acerca da futura base técnica, organizacional e institucional em jogo na reconfiguração profunda desse espaço econômico, com seus riscos e inseguranças elevados advindos de uma possível implosão da própria base atual.

Mais do que atender a requisitos tradicionais de eficiência, o desenho dos novos mercados elétricos passa a ter de incorporar a segurança de suprimento como um fator essencial em um processo de transformação pleno de ameaças e descontinuidades. Disponibilidade física e acessibilidade econômica precisam ser alcançadas no interior de um quadro de frágil equilíbrio, ditado pelas inseguranças estruturais da transição.

Face a isto, as políticas de incentivo à competição como fator estruturante da agenda do setor elétrico deixaram de ocupar o papel de protagonistas da construção de saídas para os impasses atuais. As âncoras institucionais passaram a ser mais decisivas do que as ambiências construídas para mimetizar mercados competitivos.

A transição elétrica só veio acelerar o processo de institucionalização das decisões de longo prazo do setor. Processo esse inaugurado a partir da implementação de soluções à la mercado de capacidade e contratos de longo prazo, fruto do reconhecimento das limitações do mecanismo de preço como único fator estruturante das decisões dos agentes presentes nesse locus econômico peculiar que é o mercado elétrico.

Diante desse quadro pode-se afirmar que o contexto da indústria elétrica no mundo hoje é bastante diferente daquele observado na década de 1990; quando a liberalização do mercado elétrico, via introdução da competição e privatização, estruturava a agenda do setor.

O quadro hoje é muito mais complexo, tanto em função dos novos desafios representados pela transição elétrica, quanto pelos limites à liberalização, intrínsecos ao setor, constatados a partir da experiência das últimas décadas de políticas liberais no setor. Essa complexidade faz com que os desafios de conceber e implementar uma agenda setorial alcancem patamares maiores do que aqueles observados ao longo da evolução do setor em mais de um século de existência.

Por isso, reduzir o debate sobre as políticas públicas para o setor elétrico a uma escolha entre mercado versus instituições, setor privado versus setor estatal, mercado versus Estado, congela a discussão nos anos 1990s e, em consequência, não estabelece uma agenda verdadeiramente produtiva para o setor sair dos seus impasses. Ao contrário, em função da sua extemporaneidade, aumenta esses impasses.

Ao recorrer a uma agenda de liberalização e privatização, o atual governo, vai justamente nessa direção e deixa o setor elétrico brasileiro encalhado no debate sem saída de vinte anos atrás, encenando uma falsa contemporaneidade fora de tempo e lugar.

A principal consequência dessa brutal falta de visão estratégica sobre o que acontece no setor elétrico no mundo hoje é descolar completamente a agenda brasileira do contexto da agenda mundial, evocando interpretações primárias sobre o que seja essa última agenda.

Colocar o esgotamento do modelo hidráulico brasileiro sob a perspectiva da transição elétrica pode gerar oportunidades extremamente interessantes para o setor elétrico do País. A capacidade de estocagem dos reservatórios, a flexibilidade das centrais hidrelétricas e a amplitude do sistema de transmissão podem ser ativos significativos no âmbito dessa transição. Contudo, para abrir esse horizonte de oportunidades é preciso ter uma agenda contemporânea e aberta ao novos tempos, e não uma agenda velha e ultrapassada com falsos ares de modernidade como é a que está sendo colocada na mesa.

Professor e Pesquisador do Grupo de Economia da Energia-GEE do IE-UFRJ

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