Opinião
A livre negociação da reserva de capacidade
A vantagem dessa modalidade de contratos é que a eólica, solar e outras fontes ajudariam na vigilância dos ativos do vendedor da reserva de capacidade, o que evitaria a varredura ou a caçada de termelétricas
Os momentos como os atuais, em que, mais uma vez, há sérios desequilíbrios entre a oferta e demanda de energia elétrica, são determinantes para que diretrizes sejam revistas, objetivos redirecionados e bases restabelecidas.
O Brasil possui uma matriz elétrica bem diversificada, das mais limpas e com capacidade instalada total de 174.000 MW. É muito difícil aceitar que, com todas essas vantagens, com frequência insuportável corremos riscos nada desprezíveis de racionamento, de cortes localizados de carga ou de queda na qualidade de suprimento.
Além dos graves problemas conceituais no modelo de despacho e de formação de preços utilizado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), sobre os quais falei em artigo do dia 2 de junho no Valor, existem outras fontes de ineficiência. Trato aqui de uma delas, a modalidade dos contratos e o design dos incentivos previstos nesses contratos.
Desde o fim de maio, o governo, aliado ao ONS, começou uma surpreendente caçada ou varredura de termelétricas. Termelétricas que não se sabe em que condições estão e, outras, contratadas e novas, que estão com elevados índices de indisponibilidade, como constatou a EPE em trabalho muito recente. Se há termelétricas por aí que não injetam energia na rede e outras que produzem muito menos do que se comprometeram, certamente os problemas estão nos contratos ou na falta deles.
No Brasil, que tem um adequado ritmo de expansão da capacidade instalada de geração, a obrigação de comprar energia, seja lá qual for a razão ou onde será empregada, é sempre do consumidor. Não deveria ser apenas assim. É ótimo que a ampliação da oferta seja hoje quase que determinada pelo mercado livre (Em 2020, mais de 70% dos investimentos em geração aconteceram no ACL). Porém, os empreendimentos são quase que 100% nas fontes (variáveis) eólica e solar, o que aumenta a vulnerabilidade do sistema.
Nessas situações, esse tipo de transação deveria exigir a comprovação de reserva de capacidade, isto é, a demonstração, ao ONS, de que há energia contratada que forneça lastro à intermitência dessas fontes. Um parque de eólica de 100 MW deveria mostrar, por exemplo, que tem contratada uma reserva de capacidade para 15 MW. Os custos correspondentes são, então, repassados para os preços de forma competitiva.
É assim, por exemplo, no PJ&M. Essa reserva de capacidade, em geral um percentual da necessidade geração que assegure segurança ao sistema, é definida pelo operador do sistema em conjunto com o regulador. As penalidades pelo não cumprimento da reserva devem ser tais que, de fato, incentivem a configuração de um volume razoável de capacidade.
A vantagem dessa modalidade de contratos é que a eólica, solar e outras ajudariam na vigilância dos ativos do vendedor da reserva de capacidade, o que evitaria a varredura ou a caçada de termelétricas. Não é difícil implementar essa prática, que independe e é mais eficaz que o mercado centralizado de capacidade.
Edvaldo Santana é ex-diretor da Aneel, ex-presidente da Abrace e diretor executivo na Negócios de Energia Associados (NEAL)