Oportunidades e incertezas do mercado de H2 de baixo carbono

Opinião

Oportunidades e incertezas do mercado de H2 de baixo carbono

O Brasil tem a oportunidade de ir além do papel de exportador de matéria-prima e capturar os ganhos econômicos e tecnológicos associados ao desenvolvimento de uma cadeia industrial no mercado de hidrogênio

Por Ceres Cavalcanti

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O hidrogênio verde e o hidrogênio de baixo carbono (H2BC)[1] têm se destacado como uma alternativa adotada por diversos países e empresas no contexto da transição energética, visando à descarbonização de suas economias. No Brasil e no mundo, o segmento apresenta avanços na regulação, nos programas governamentais e nos investimentos, mas também enfrenta desafios a serem superados, entre eles, os custos elevados que têm implicado na reorganização e cancelamento de projetos.

Um marco dessa expansão foi a realização do primeiro leilão de hidrogênio no âmbito da política H2Global, em 2023. Tal leilão foi voltado à contratação, fora da Europa, de derivados de hidrogênio verde por meio de contratos de longo prazo e restritos à aquisição internacional.

As inscrições para o segundo leilão da H2Global estão sendo aceitas entre julho e setembro de 2025. As propostas estão em análise e devem avançar para negociações com as empresas, com conclusão prevista entre o segundo e o quarto trimestre de 2026. A oferta dos produtos está estimada para começar em 2028, ou até cinco anos após a assinatura dos contratos.

Devido à ampla participação das empresas brasileiras no workshop prévio à abertura das inscrições, há expectativa da presença significativa de projetos do Brasil no leilão, o que pode implicar em avanços do segmento no país.

O relatório World Energy Investment 2025 da AIE projeta um aumento de 70% no investimento global em hidrogênio de baixo carbono neste ano, em comparação com 2024. Apesar desses avanços recentes, o cenário internacional também apresenta desafios e sinais de retrocesso, como a suspensão ou o cancelamento de diversos projetos de hidrogênio.

Em 2025, ao menos 15 projetos de hidrogênio foram cancelados ou reduzidos: 7 na Europa, 5 na Austrália, 2 nos EUA e 1 na Ásia. O principal motivo foi o alto custo de produção aliado à baixa demanda, o que levou empresas e governos a reverem suas estratégias.

No âmbito jurídico, avançam as normas e regulamentações gerais, incluindo processos de certificação, fundamentais para garantir o rastreamento e o registro correto do combustível, possibilitando o reconhecimento mútuo entre países. Em julho de 2025, a União Europeia aprovou uma nova metodologia de avaliação para os combustíveis e para o próprio H2BC, o que representou um marco no processo de flexibilização regulatória.

A medida abre espaço para rotas baseadas em soluções híbridas, inclusive com uso de fontes fósseis, desde que associadas a uma redução mínima de 70% nas emissões em comparação ao combustível fóssil convencional. Tal flexibilização também é admitida em países como Brasil e Reino Unido. No entanto, no mercado europeu, que desponta como importante potencial consumidor e importador de hidrogênio, persiste a limitação que restringe a certificação apenas a combustíveis de origem não biológica, o que exclui, na prática, a rota de biocombustíveis defendida pelo Brasil.

Diante desse cenário, a presidência brasileira na Parceria Internacional para o Hidrogênio e Pilhas a Combustível na Economia (IPHE) - assumida em junho de 2025, com mandato até 2027 - representa uma oportunidade estratégica para ampliar o protagonismo do país nos fóruns multilaterais e influenciar a construção de critérios mais inclusivos.

A IPHE, que reúne 26 países e a Comissão Europeia, vem se consolidando como espaço central para a harmonização regulatória e os debates sobre certificação internacional. Ao ocupar essa posição de liderança, o Brasil fortalece sua capacidade de articulação diplomática, amplia sua visibilidade no setor e cria condições favoráveis à atração de investimentos.

Esses impactos devem contribuir para o fortalecimento e a densificação da cadeia produtiva, que atualmente reúne cerca de 800 empresas e instituições, segundo o projeto H2Brasil, além de estimular a geração de empregos qualificados e impulsionar pesquisas voltadas ao desenvolvimento de novas tecnologias.

Nesse contexto de avanços, mas também marcado por incertezas e pelo agravamento de guerras militares e tarifárias, o mercado global de hidrogênio evolui de forma mais lenta do que inicialmente previsto.

Para o Brasil, no entanto, essas transformações podem representar uma janela de oportunidade para explorar seu amplo potencial e buscar inserção como um player relevante nesse novo mercado internacional. A diversidade de rotas e fontes disponíveis no país, incluindo soluções híbridas, amplia esse potencial, sobretudo com o uso combinado de gás natural e biomassa, que pode conferir maior competitividade à produção nacional.

Apesar de avanços institucionais, o Brasil ainda enfrenta lacunas regulatórias que precisam ser superadas. Questões como a certificação e o uso da rede elétrica devem ser equacionadas para assegurar não apenas competitividade, mas também uma inserção internacional alinhada à política nacional.

O país tem a oportunidade de ir além do papel de exportador de matéria-prima e capturar os ganhos econômicos e tecnológicos associados ao desenvolvimento de uma cadeia industrial no mercado de hidrogênio.

 

[1] O H2V é comumente associado à rota de eletrólise da água utilizando fontes renováveis de origem não biológica. Já o H2BC refere-se a produções que atendem a limites estabelecidos de emissões de carbono, independentemente da rota tecnológica utilizada.

Outros Artigos