Opinião

Os atuais desafios dos procedimentos de licitação de projetos de exploração de recursos naturais e infra-estrutura

Por Redação

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As recentes discussões sobre a validade da proposta declarada vencedora do leilão da hidrelétrica de Jirau, a segunda usina do Complexo do Rio Madeira, trouxeram à tona o debate sobre eventuais falhas nas licitações para permissão ou concessão de serviços públicos. 

Como já é sabido, a licitação é, em regra, o procedimento prévio obrigatório para a contratação pela Administração Pública. A Lei 8.666/93, que tem fundamento na Constituição Federal, regulamenta e define as normas gerais de licitação, determinando o quadro amplo dentro do qual as licitações para a celebração de contratos para permissão ou concessão de serviços públicos devem ser realizadas a partir de procedimentos definidos em leis específicas.

Nesse contexto, as leis específicas que tratam de mercados regulados - energia elétrica, petróleo, telecomunicações, entre outros - estabelecem a obrigatoriedade de a concessão de serviço público, mediante licitação, ser realizada pelo poder concedente à empresa que apresentar condições mais vantajosas e demonstrar capacidade para desempenhar essa concessão, por sua conta e risco e por prazo determinado - observados, em todos os casos, os princípios administrativos e constitucionais norteadores das licitações.

Na prática, essa regra significou a realização de uma série de procedimentos licitatórios que culminaram na celebração de contratos de concessão entre o vencedor do certame e a Administração Pública. Ocorre, no entanto, que, apesar do relativo sucesso na realização das licitações, são identificadas patologias que podem - e devem - ser ajustadas para a consecução dos propósitos da licitação.

É incontroverso que tanto a Administração como os licitantes estão vinculados ao edital. Mas no caso recente de Jirau, por exemplo, as opiniões se dividem em relação à validade da proposta apresentada pelo vencedor do certame, que alterou a localização prevista no edital para o empreendimento. Isso gerou dúvidas quanto ao projeto estar em conformidade com a descrição vinculante no edital - condição de admissibilidade da proposta. E trouxe à discussão a interpretação das regras licitatórias e os limites da discricionariedade da Administração sobres essas regras.

Polêmicas à parte, o fato é que todas as empresas interessadas em explorar uma determinada concessão devem estar submetidas a preceitos idênticos (isonomia). Estes, por sua vez, devem estar disciplinados de forma clara e objetiva no edital de licitação (vinculação ao edital). É também certa a impossibilidade de realizar ajustes nas regras após a realização do certame - exceto nos casos de mera irregularidade formal, hipótese em que, evidentemente, tais ajustes não afetam as demais propostas formuladas, sob pena de ser declarada a nulidade do processo licitatório.

Embora deva evitar ao máximo, a Administração pode alterar as condições inseridas no instrumento convocatório no curso do procedimento licitatório, em razão de interesse público superveniente. Isso foi feito no caso recente da retirada de blocos de exploração e produção de petróleo e gás natural de licitação da ANP por conta da descoberta de Tupi, na Bacia de Santos. Nessa hipótese, porém, dispõe a lei que a Administração é obrigada a renovar a publicação do edital, abrindo novos prazos para os licitantes adaptarem suas propostas, de forma a garantir condições de igualdade aos interessados em participar do pleito, protegendo, assim, via isonomia entre os licitantes, o interesse público, que é a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração.

Além da violação aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, isonomia e impessoalidade administrativa, a conseqüência mais imediata da validação, pela Administração Pública, de uma proposta desvinculada dos preceitos dispostos no ato convocatório é a insegurança jurídica que resulta do ato. Isso poderá (e deverá) repercutir na avaliação dos interessados em futuras licitações, notadamente no caso das obras de infra-estrutura e de exploração de recursos minerais, em que a mera elaboração da proposta e a participação no certame envolve custos consideráveis. E é negativo para o país, uma vez que aumenta o risco do negócio, afastando potenciais competidores e reduzindo as margens de investimentos.

Licenciamento e seus riscos

No contexto das patologias, outra observação importante é a de que o princípio de vinculação ao instrumento convocatório deve ser interpretado de forma a abranger todos os anexos ao edital, o que inclui o licenciamento ambiental prévio, emitido pelo órgão ambiental competente. Assim, o licitante está vinculado estritamente às condições e requisitos constantes da licença ambiental, e ainda precisa contar com uma dose de sorte.

Há tempos a obtenção de licenças ambientais representa um dos principais entraves à realização de licitações para permissão ou concessão de serviços públicos, resultando, muitas vezes, num risco desproporcional para o empreendedor. Isto porque é requisito para a realização de uma licitação de obra com impacto ambiental - como é o caso dos empreendimentos que afetam exploração de recursos naturais e infra-estrutura - a obtenção do licenciamento prévio, que atestará a exeqüibilidade do empreendimento e vinculará o vencedor a seus dispositivos.

Ocorre, todavia, que esse procedimento de licenciamento, aparentemente simples, pode sofrer sérias complicações e entraves por razões alheias à vontade do vencedor da licitação, entre outros motivos, devido aos atrasos na análise de processos e aos elevados custos com investimentos necessários para atender às normais ambientais. Ademais, a validade do instrumento de licença prévia é limitada e, por vezes, condicionada ao cumprimento de requisitos adicionais não-conhecidos até o momento da apresentação da proposta, o que, sem dúvida, adiciona insegurança ao negócio, podendo inviabilizá-lo.

Mesmo quando superadas as questões que envolvem a obtenção e a validação da licença prévia do empreendimento, a concessionária deverá providenciar, por sua conta e risco, no curso da concessão ou permissão, as outras licenças ambientais, inclusive aquelas que passem a ser exigidas a posteriori. Isso deixa o empreendedor sujeito a toda a sorte de acontecimentos e ingerências.

Há que se ter em mente que atrasos no licenciamento ambiental impactam de forma direta o planejamento técnico e econômico-financeiro dos empreendimentos, podendo comprometer, além do cumprimento dos prazos contratuais estabelecidos (resultando em penalidades e até mesmo na rescisão do contrato), o abastecimento de insumos essenciais, o fluxo de caixa e a obtenção e a manutenção de financiamentos.

Por outro lado, análises apressadas de pedidos de licenciamento, além de serem potencialmente danosas ao meio ambiente e à sociedade, podem custar caro ao concessionário ao longo da concessão, momento em que as questões não (ou mal) avaliadas poderão ser preenchidas ou corrigidas, refletindo nos direitos e obrigações do concessionário.

A sinalização do governo é boa. O novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, já se manifestou no sentido de promover novos procedimentos relacionados ao licenciamento ambiental, que venham a contemplar exigências mais rigorosas e, ao mesmo tempo, que diminuam a burocracia. Se a promessa se concretizar, não restará dúvida acerca do benefício ambiental que será assegurado a todos - empresas, governo e sociedade - na exploração de atividades estruturais para o país.

Mais obstáculos

Além das patologias já sublinhadas, há uma série de outras irregularidades que podem resultar na suspensão do leilão ou, tendo este sido realizado, em sua anulação. Recentemente, por exemplo, algumas concessões de rodovias têm sido alvo de suspensões, uma vez que a ausência de previsão de projetos de obras estruturais nos instrumentos convocatórios poderia impactar, de forma negativa, a revisão do contrato.

A seu turno, o Tribunal de Contas da União (TCU) já declarou suspensos certames, sob as mais diversas justificativas, entre elas a de que teriam sido detectadas inconsistências no estudo de viabilidade econômica apresentado pelo órgão responsável. E não podemos nos esquecer de que a suspensão da 8ª rodada da ANP, por conta de decisão liminar, até hoje não teve solução.

Na verdade, a escolha da proposta mais vantajosa à Administração Pública para fins de contratação representa, desde sempre, um de seus principais desafios. Resta saber como serão decididos os casos concretos trazidos à análise do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, para que se tenha a avaliação exata da credibilidade que o país terá nos próximos anos, na contratação para a exploração de concessões e permissões. O desenvolvimento do Brasil depende, em grande medida, do êxito dessas medidas.

Daniela da Silva Santos é advogada do escritório L.O. Baptista Advogados

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