Opinião

Os olhos de Inês

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Os olhos de Inês brilhavam enquanto ela nos mostrava a escola. Tudo simples, limpo e arrumado no internato para crianças a partir de cinco anos. As instalações foram construídas por Reginaldo, um fazendeiro boa-praça que se sensibilizou com o isolamento das crianças que vivem no Pantanal. Durante as chuvas não há estradas, e a jornada entre a casa e a escola pode durar dois dias, de trator. A cada 60 dias as crianças passam uma temporada de alguns dias em casa e voltam para a escola. Ao chegarem, os menores às vezes choram, mas logo se acomodam ao carinho da Inês, uma paulista que trocou o conforto urbano pela satisfação de fazer o certo. Com brilho no olhar.

A fazenda, como quase todas as outras do Pantanal, se estende por milhares de hectares. Para visitar o vizinho mais próximo, uma caminhada de 20 km. O deslocamento entre a sede e a subsede, 15 minutos em avião monomotor. Do alto vê-se o gado ocupando esparsamente o território, meia cabeça por hectare. Impossível aumentar essa taxa: a rala vegetação não aguentaria. Em quase todas as fazendas, a sede e as moradias próximas são alimentadas por eletricidade produzida por gerador a diesel. A escola da Inês também. Nas moradias distantes da sede e nas de pescadores, ao longo dos rios, o silêncio da escuridão. 

Inês e Reginaldo pedem auxílio à Enersul, cuja área de concessão inclui o Pantanal, para aumentar a carga da escola por conta da instalação de computadores para as crianças e de um consultório dentário. Imediata decisão de ajudar por meio da instalação de kits fotovoltaicos. Terreno é o que não falta!

Sobre a eletrificação do Pantanal, formulo duas opiniões. Primeiro: o poder público não deveria considerar o fazendeiro economicamente capaz, que já tem acesso à eletricidade, como se fosse um coitadinho que precisa ser tutelado pela concessionária. Até porque a instalação de um microssistema isolado de geração e distribuição (MIGDI) ou de um sistema individual de geração com fonte intermitente (SIGFI), conforme Resolução Aneel 493/2012, limitado a 80 kWh por mês, não faria cócegas no atendimento. E isso com custo de instalação de, no mínimo, R$ 25 mil! 

Segundo: os que ainda vivem na escuridão têm, sim, direito a melhorar de vida com acesso a um par de lâmpadas e um freezer para armazenar o pescado, ou a uma televisão. Mas não é apropriado responsabilizar a distribuidora por isso, como dispõe a Resolução Aneel 488/2012, em audiência pública para revisão. 

As resoluções 488 e 493 são avanços na regulação da eletrificação de comunidades ou consumidores isolados, que não podem ficar sujeitos às mesmas regras dos consumidores conectados à rede. No entanto, é necessário simplificar ainda mais e conceber outros modelos de negócio. Não é sensato considerar uma residência isolada, alcançável apenas por avião ou barco, como unidade consumidora da concessionária, cujo negócio é a construção e operação de redes. Aliás, não creio que a Lei 12.111/2009, que dispõe sobre sistemas isolados, tenha tido a intenção de incluir os “sistemas individuais” nessa categoria. 

O Banco Mundial identificou que eletrificações bem-sucedidas de comunidades distantes da rede não são em geral feitas pela concessionária, e sim por pequenas empresas ou organizações não governamentais1. A chave do sucesso é a existência de “subsídios inteligentes”, em geral canalizados em Parcerias Público-Privadas (PPPs). Para residências isoladas, o caminho mais comum é a disseminação comercial da solução fotovoltaica. 

Para a realidade do Pantanal, e talvez da Amazônia, as concessionárias deveriam receber subsídios para fomentar a venda de kits fotovoltaicos, precificados de forma compatível com a capacidade de pagamento das famílias isoladas, que se tornariam microautoprodutores. E o custo do subsídio não deveria recair apenas sobre os consumidores da área de concessão. Mais justo seria alocá-lo à CDE ou diretamente ao Tesouro.

 

1 Designing Sustainable Off-Grid Rural Electrification Projects: Principles and Practices, 2008.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses
E-mail: jerson@kelman.com.br

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