Opinião

Perdas comerciais e os limites das distribuidoras

Por Redação

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Em 2015, as perdas comerciais (furto e fraude de energia, também chamadas de “perdas não técnicas” e de “gatos”) das 59 principais distribuidoras de eletricidade do país foram da ordem de 5% da energia injetada nas redes de distribuição. Esse número pode parecer “baixo”, mas em um ano corresponde a mais de 15 milhões de megawatts-hora (MWh), o equivalente ao consumo de todo os consumidores do estado de Santa Catarina. Quando se multiplica esse montante pela tarifa média de eletricidade, incluindo os tributos (R$ 546/MWh), obtém-se a perda de receita anual ocasionada pelas perdas comerciais: mais de R$ 8 bilhões.

Como referência, o orçamento para o Bolsa Família em 2015 foi de R$ 26,9 bilhões. Portanto, o furto e a fraude de energia representaram mais de três meses e meio (ou 30,4%) do que foi destinado ao Bolsa Família. Esse valor também supera os R$ 6,2 bilhões de baixas contábeis da Petrobras por pagamentos indevidos identificados na Operação Lava Jato, que causaram indignação geral da população. Apesar de significar um valor maior, a mesma indignação não é constatada com o furto de eletricidade.

A grande maioria das distribuidoras de energia elétrica combate os furtos e fraudes com milhões de reais em investimentos. Tal empenho é importante, mas não é suficiente, pois trata-se de um problema social e cultural que extrapola o escopo de gestão dessas empresas. Tal combate requer políticas públicas acertadas e uma conscientização da sociedade quanto aos malefícios dessas práticas que são tratadas com excessiva permissividade.

A literatura acadêmica avalia o problema da criminalidade considerando a “estrutura de incentivos” por trás dos benefícios imediatos auferidos com a atividade ilícita e as penalidades sofridas se houver flagrante. Um dos pioneiros nesse tipo de análise foi Gary Becker, prêmio Nobel de Economia em 1992. A teoria aponta que o comportamento dos agentes depende dessa estrutura de incentivos, que por sua vez depende tanto da magnitude dos benefícios e prejuízos resultantes da ação quanto da probabilidade de a infração ser detectada e punida.

Quando se avalia o que determina o impacto desses dois fatores no caso dos furtos e fraudes de energia elétrica, verifica-se que os mesmos não dependem unicamente da distribuidora: os prejuízos imputados ao consumidor flagrado em furto ou fraude dependem de uma série de fatores institucionais que extrapolam a atuação da distribuidora.

Entre tais fatores estão as penalidades previstas na lei ou na regulamentação, a atuação dos tribunais que julgam os processos, e os meios permitidos pela regulação e disponibilizados às distribuidoras para monitorar e fiscalizar seus consumidores. Portanto, a propensão ao crime e às irregularidades dependem também da atuação do Estado, por meio das leis e regulamentação, e da ação do Poder Judiciário.

No Brasil, a percepção de que a energia elétrica é bem público de caráter social, combinada a um certo viés nas decisões do Judiciário (que procura “compensar” as partes “mais fracas” em uma disputa) tem dificultado os esforços de combate às perdas comerciais empreendidos pelas distribuidoras.

A regulamentação setorial, as barreiras burocráticas de órgãos metrológicos, o ativismo de órgãos de defesa do consumidor e o viés do Poder Judiciário, entre outros, frequentemente favorecem o consumidor infrator ou inadimplente e, às vezes, acabam por criar barreiras intransponíveis para uma ação mais eficaz de coibição dos furtos de energia.
O recém-publicado estudo “Perdas comerciais e inadimplência no setor elétrico” (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos) descreve em detalhes o problema de perdas comerciais no serviço de energia elétrica no Brasil, discute como a regulação tem tratado a questão, e aponta inúmeras sugestões de políticas públicas que podem ser adotadas para sanar esse grave problema nacional.

Claudio J. D. Sales é Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)
 

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