Opinião

Planejar é a capacidade de pensar à frente

Artigo de Armando Guedes e Tatiana Lauria, da Firjan

Por Redação

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Planejar significa discriminar o que vem primeiro e o que vem depois: causa e efeito. Pressupõe uma dialética do saber e do poder. Envolve articular pensamento e ação. E envolve escolhas. Escolhas são livres, mas cada qual tem o seu custo. Esse custo, porém, às vezes só é cobrado no longo prazo, dificultando assim sua total ciência à ocasião de sua escolha, e tornando central o papel de um planejamento adequado.

Pois assim é no setor elétrico brasileiro. Um setor no qual as escolhas que vêm sendo feitas ao longo deste século trarão – e, de fato, já começam a trazer – impactos significativos tanto sobre o preço da energia como sobre a segurança de seu suprimento.

A escolha de expandir a matriz elétrica brasileira sustentada sobremaneira em hidrelétricas na região Norte, onde se concentra mais da metade do potencial hidráulico disponível do país, busca manter o Brasil em uma posição de vanguarda no que tange à geração elétrica a partir de fontes renováveis. No entanto, um olhar mais atento às características e à localização dessas usinas pode reservar surpresas, implicando, na realidade, a redução da participação da geração hidráulica na matriz.

Esse fenômeno se deve principalmente a dois fatores. O primeiro reside no fato de que a região Norte possui um relevo de planície, o que oferece condições muito limitadas à construção de grandes reservatórios, em especial aos de acumulação. Dessa forma, as usinas lá instaladas deverão operar com reservatórios do tipo fio d’água – a exemplo de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau –, que possuem capacidade de regularização comparativamente baixa. O segundo fator está no regime bastante irregular das vazões dos rios no Norte, os quais concentram, em média, cerca de 80% de sua vazão anual no primeiro semestre. Uma implicação dessa irregularidade nas vazões, em conjunção com a incapacidade dos reservatórios de estocarem água por longos períodos, está no maior acionamento complementar de termelétricas nos meses de estiagem, ou mesmo no período úmido, caso seus reservatórios se encontrem próximo a níveis de risco.

Uma consequência direta da baixa capacidade de regularização das novas hidrelétricas é o aumento da emissão de gases de efeito estufa (GEE) oriundos da geração térmica. Outra consequência é a elevação do custo da eletricidade. Um reflexo do declínio da capacidade de regularização do sistema elétrico já se materializa no novo sistema de bandeiras tarifárias. Em fase de teste, o sistema de bandeiras, programado para entrar em vigor em 2015, modificará a forma de repasse dos custos do despacho térmico adicional para os consumidores finais. Esse custo, atualmente repassado aos consumidores à ocasião dos reajustes anuais das distribuidoras, será então repassado mensalmente.

É neste contexto que repensar a matriz energética que o país está construindo faz todo o sentido. Diante da crescente participação da geração térmica na matriz, cumpre ponderar quais fontes devem sustentar esse aumento. O gás natural, por exemplo, desponta como o combustível fóssil menos poluente, além de ter menores custos. Entretanto, existem ainda significativos óbices que precisam ser transpostos para que o país possa consumir esse energético de forma ampla, atendendo tanto o setor elétrico como a indústria. Faz-se imperativo, assim, adotar uma política energética que modifique estruturalmente o mercado de gás natural brasileiro, permitindo, entre outros casos, a entrada de ofertantes de modo a promover a oferta e a competitividade do energético.

Para encontrar o ponto de equilíbrio entre segurança energética, modicidade tarifária e proteção ambiental, é necessário ter em mente perguntas que se colocam agora e que dizem respeito ao que o país está disposto a aceitar e a abrir mão. Sem dúvida, competitividade e desenvolvimento econômico sustentável são os parâmetros que devem guiar a construção da política energética nacional. É preciso pensar à frente.

Armando Guedes é presidente do Conselho de Energia da Firjan, e Tatiana Lauria é especialista em Competitividade Industrial e Investimentos da Firjan

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