Opinião

Preparedness

Por Redação

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O setor de energia elétrica vive hoje uma séria crise. São muitos os fatores que a gestaram – desde a perda de regularização plurianual de nossos reservatórios aos atrasos da expansão, passando pelo crescimento significativo (quase que incentivado) da demanda. A operação contínua de reservatórios muito baixos agrava o quadro, levando à perda de produtibilidade e ao esgotamento mais rápido dos recursos hídricos. Uma análise mais profunda, objetiva e desapaixonada do passado pode gerar um precioso aprendizado para o futuro. Mas não é este o tema deste artigo. Em nossa percepção, tudo pode ser resumido em poucas palavras: vivemos uma das piores secas históricas (possivelmente a pior). Se há água, o sistema opera com folga capaz de cobrir boa parte dessas falhas; quando ela falta, o sistema opera no limite, e fica mais evidente a falta de todos os recursos que poderíamos ter, mas não temos.  Todas as nossas mazelas aparecem.

Em tese, o sistema é planejado para um risco admissível igual a 5%. Em outras palavras, mesmo que o mundo fosse perfeito e tudo tivesse corrido como planejado, ainda assim aceitaríamos o risco de racionamento em aproximadamente quatro de nossos oitenta e quatro anos históricos. Ora, se estamos no pior ano histórico, seguramente preenchemos os quesitos de ano de risco, e portanto passível de restrições ao consumo. Vivemos, portanto, um paradoxo. O sistema é planejado para a possibilidade de um racionamento, mas quando o momento chega, o assunto é tratado como um tabu, uma vergonha. Não existe sequer um plano de ação para um evento que deveria acontecer, em média, uma vez a cada vinte anos.

Todos nós temos nossos cálculos e avaliações sobre a probabilidade de racionamento em 2015. No entanto, talvez seja mais interessante relembrar uma técnica muito usada no passado e aparentemente esquecida: a minimização do máximo arrependimento. Não se trata mais de saber se a probabilidade de racionamento é de 10%, 30% ou 50%. A questão que se coloca é: no pior caso, o que pode acontecer? Correremos este risco?

Nossas simulações mostram que, a perdurar a atual seca, poderemos não chegar nem sequer a abril dentro do limite de 10% divulgado pelo Ministro de Minas e Energia. Sendo mais otimistas, poderemos simular para o período úmido a projeção (em percentagem da média histórica) divulgada pelo ONS para fevereiro:  resistiríamos, no máximo, até maio. Com um agravante: se chegarmos a este ponto e a água de fato acabar, não haverá mais o que fazer. Nossos recursos ficarão restritos às térmicas e renováveis. Lembrando que elas podem suprir cerca de 30% do consumo, o evento toma proporções inimagináveis. Se esta situação limite se configura, cortaremos 70% da carga brasileira? O Brasil poderia recuperar-se de um evento como este?

A língua de um povo diz muito sobre sua cultura. Assim como reza a lenda que a palavra “saudade” não tem tradução, não encontro em português a tradução exata para a palavra “preparedness”, que expressa o ato de estar preparado, com todas as ações preventivas e mitigatórias definidas, conhecidas pela população e seguidas se e quando necessário. Talvez pudéssemos incorporar esta palavra ao nosso vocabulário.

Leontina Pinto é diretora executiva da Engenho Pesquisa, Desenvolvimento e Consultoria

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