Opinião

Primarizar ou terceirizar a força de trabalho

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Em 14 de agosto, Dia dos Pais, interrompi as brincadeiras com os netos para me inteirar por telefone de uma ação em andamento: a Polícia do Rio de Janeiro dava um flagrante em quatro eletricistas “terceirizados” que furtavam cabos de cobre da rede de distribuição da Light. Lamentavelmente, não foi um caso isolado. Tampouco furto de cobre é problema que só acontece no Brasil. Na Inglaterra, por exemplo, ocorreu recente furto que deixou milhares de pessoas sem conexão telefônica e de internet (http://www.thisissomerset.co.uk/Copper-wire-thieves-bring-phone-internet/story-13207756-detail/story.html). Também no caso de fornecimento de eletricidade as consequências vão muito além do prejuízo com a reposição dos cabos furtados: a rede, submetida a sobrecarga, se fragiliza, colocando em risco a continuidade do serviço e a segurança da população.

Como em nosso caso o furto foi perpetrado por uma “quinta coluna” infiltrada numa empresa parceira – e esse não é um problema exclusivo da Light –, é preciso fazer uma reflexão sobre a contratação de serviços e a composição do quadro dos profissionais que direta ou indiretamente atuam no segmento de distribuição.

Não é trivial decidir quanto à melhor forma de organizar a força de trabalho de uma concessionária. O modelo clássico é o da “primarização”: mantêm-se no quadro da própria empresa todas as atividades relacionadas ao core business, admitindo-se a terceirização apenas para as atividades de apoio, por exemplo, vigilância e limpeza. Funciona bem, se há boa gestão. Mas costuma ser caro, sobretudo nas estatais, porque, ao longo dos anos, as demandas sindicais tendem a ser bem-sucedidas, resultando numa coleção de direitos para os trabalhadores. Isso porque numa estatal é quase impossível despedir alguém e porque qualquer custo excedente ao previsto regulatoriamente na “empresa de referência” implica em redução de ganho (ou aumento de prejuízo) dos anônimos contribuintes.

No modelo de terceirização contratam-se empresas dedicadas a serviços especializados – por exemplo, leitura de medidores ou poda de árvores –, que são pagas em função da produtividade. É um conceito que funciona bem quando as empresas parceiras são eficientes, contratam trabalhadores de boa formação e os treinam apropriadamente. No entanto, num ambiente aquecido, com alta empregabilidade (felizmente!), as empresas parceiras têm enfrentado crescente dificuldade em corresponder às expectativas. Essa situação tem forçado as distribuidoras a exercer um controle cada vez maior sobre elas; em particular, sobre os critérios adotados na seleção de seus empregados.

Em alguns casos tem sido preciso ir além e exercer um controle sobre a mão de obra terceirizada semelhante ao adotado em relação à força de trabalho própria. Nesse caso, por que terceirizar?
Essa pergunta será certamente formulada na primeira audiência pública que o TST realizará, em 4 e 5 de outubro, para debater a “terceirização de mão de obra” em diversos setores da economia, tais como telecomunicações, energia elétrica, financeiras, bancos, promoções de vendas, correspondência postal, tecnologia e recursos humanos. Trata-se de um assunto polêmico. Hoje há cerca de 5 mil processos sobre o assunto em tramitação no TST e para algumas questões não há consenso no Tribunal.

É importante que o setor elétrico participe dessa audiência pública. E não apenas por meio das empresas que terceirizam serviços, mas também das associações que defendem os consumidores. Isso porque sem dúvida estarão presentes, sem necessidade de convocação, aqueles que argumentarão favoravelmente à obrigação de primarizar, seja qual for a circunstância. Contudo, se o assunto for corretamente debatido e compreendido, é possível que surja um ambiente no qual as empresas possam decidir sobre primarização ou terceirização sem influências ideológicas, considerando, exclusivamente, critérios de qualidade e produtividade. Nesse caso, o consumidor é que sairia vencedor.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses

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