Opinião
Quanto custa o furto de energia?
A coluna bimestral de Jerson Kelman
Explicava para uma jornalista, numa conversa telefônica, que se todo o furto de energia na área de concessão da Light fosse eliminado em um passe de mágica, haveria significativa redução da conta de luz dos consumidores honestos. Ela fez a pergunta óbvia: de quanto?
Confesso que engasguei. Nunca havia feito esse cálculo. Mas logo me aprumei e resolvi fazer de cabeça um cálculo aproximado, que explico na sequência.
A Light compra cerca de 5 TWh por ano somente para atender os consumidores que praticam fraudes nos medidores ou que se conectam diretamente na rede de distribuição. Como não pagam o consumo, ou o pagam apenas parcialmente, consomem muito mais do que seria necessário. As luzes ficam acesas dia e noite, as televisões não são desligadas, e os banhos de chuveiro elétrico são excessivamente demorados.
A julgar pela experiência na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Santa Marta, em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, as pessoas reduzem o consumo em cerca de 40% quando passam a pagar a conta de luz. Quando a energia é de graça, o desperdício é brutal!
A UPP Santa Marta foi a primeira comunidade pacificada em que a Light implantou o programa de regularização do fornecimento. Como a companhia vai regularizar o fornecimento em todas as UPPs, há motivo para otimismo.
A delinquência, no entanto, ocorre também fora das comunidades carentes. No Rio, cerca de metade da energia furtada é consumida “no asfalto”. Muitos são moradores de comunidades pobres, mas não miseráveis, e recebem a “proteção” de milicianos contra a ação de eletricistas. Outros moram em condomínios de luxo e contratam eletricistas que executam sofisticados “gatos”, sobretudo para sustentar a área externa das casas, como saunas e bombas das piscinas. Há ainda os que tocam seus negócios – por exemplo, padarias, motéis, frigoríficos – com energia furtada.
Há duas boas notícias nesse “front”: primeiro, a Polícia Civil do Rio decidiu apoiar mais resolutamente as concessionárias de serviço público no combate à ação desses espertalhões; segundo, o Inmetro aprovou recentemente um segundo fabricante de medidores eletrônicos telecomandados, o que encerra o monopólio privado desse produto, encerramento essencial para o controle do furto.
Supondo que o desperdício dos “não carentes” seja percentualmente menor do que o dos “carentes” – digamos, algo da ordem de 20% –, é razoável que, tudo sanado, os que hoje furtam passassem a pagar por cerca de 70% da energia hoje furtada, isto é, 3,5 TWh(1) por ano. Se toda essa energia fosse vendida com tarifa residencial (R$ 0,31/kWh, sem impostos), os consumidores que hoje furtam ou fraudam passariam a pagar cerca de R$ 1 bilhão.
Visto de outra maneira, os consumidores honestos poderiam, coletivamente, pagar R$ 1 bilhão a menos. Feitas as contas, os consumidores honestos que hoje rateiam entre si cerca de R$ 6 bilhões da receita líquida da Light, passariam a ratear R$ 5 bilhões. Isso significaria uma redução da ordem de 17% na tarifa.
“17% é muito!”, disse a jornalista. “Quando essa redução vai ocorrer?”
Só em 2013, disse, quando ocorrerá a próxima revisão tarifária da Light. E isso se todos os consumidores forem recuperados para o bem. Até lá, o aumento do faturamento iria beneficiar os acionistas. Na revisão, o regulador capturaria esse ganho em benefício dos consumidores.
“Não poderia ser já?”
Respondi que não. É da natureza da regulação por incentivos permitir que a concessionária se beneficie nos intervalos entre revisões dos ganhos associados à diminuição de custos ou ao aumento de faturamento. É isso que a incentiva a ser criativa e trabalhar duro. Mas, a partir da data da revisão, que ocorre a cada quatro ou cinco anos, esses ganhos são revertidos em benefício aos consumidores. É a fórmula apropriada para transformar a situação atual – em que os consumidores desonestos têm energia gratuita à custa dos honestos, porém de baixa qualidade –, numa situação em que todos ganham, tanto os consumidores (principalmente os honestos!), quanto os acionistas. Pode-se demonstrar que, se a fórmula fosse invertida e se tentasse capturar de imediato o benefício em favor dos consumidores, o benefício simplesmente deixaria de existir.