Opinião
Regulação e suas modificações
Regular é estabelecer regras compulsórias para agentes econômicos e consumidores, tendo como substrato ampla participação direta da sociedade na sua discussão e elaboração, para o atendimento das políticas regulatórias, num nítido exercício de conciliação de interesses de forma eficiente e segura.
No entanto, como resultado das imprevisões do mercado de energia, como agora a forte diminuição do consumo de energia, atestada por todos os dados oficiais, cabe ao agente regulador discutir de forma transparente, utilizando-se dos canais institucionais, possíveis modificações para adequar a regulação do setor à economia.
Essas discussões, porém, terão de sopesar, de ambos os lados, as implicações econômico-financeiras que estão atreladas a todos os contratos de energia. A compra de energia elétrica, até agora, pressupõe seu consumo. Some-se a isso que este contrato está inserido numa malha de contratos interligados (interconexos) que têm direitos e obrigações correlatos. A evolução do mercado ou os reflexos de efeitos exógenos externos à função regulatória exigem que se visitem normas regulatórias que, em tese, estão descoladas dos fatos.
Atestar a realidade do mercado e discutir cenários futuros, harmonizando prós e contras, é da essência e compromisso da regulação. Consequentemente, a atualização regulatória certifica-se sobre a inviabilidade de os agentes atenderem às obrigações vigentes e aprimora as normas regulatórias, para que atendam às mudanças exigíveis temporariamente ou em definitivo. A Audiência Pública Aneel 4/2016 enquadra-se no cenário descrito acima, em que a demanda dos agentes indica a necessidade de uma correção de percurso ou de destino das obrigações assumidas pelos agentes econômicos, sem que se viole a segurança jurídica.
A abertura da Audiência Pública teve origem na solicitação de associação de representantes de parte dos agentes regulados, devido à sobrecontratação generalizada pelas distribuidoras, decorrente da queda do consumo de energia ocorrida no último ano. Segundo a Nota Técnica, também há o fato de que o ingresso de CCGFs e suas variações são involuntários, sendo natural e coerente que alterações nos montantes alocados a cada distribuidora tenham previsão de neutralização, observado o máximo esforço para alívio da sobrecontratação, de modo que os cálculos realizados para cada ano civil considerem essa diligência.
Há, então, uma preocupação com o equilíbrio sistêmico do setor de energia elétrica, permitindo que eventual saldo positivo resultante da alocação de CCGFs em volume superior aos contratos encerrados ou reduzidos em determinado ano possa ser abatido da demanda de Leilões A-1 de anos subsequentes, caso assim solicitado pelos agentes de distribuição.
Opinamos que, neste caso, o Estudo de Impacto Regulatório (EIR) deveria espelhar, pormenorizadamente, as reais consequências da proposta de atualização/modificação e o porquê dessa escolha pelo regulador. Em uma questão tão complexa e importante como essa, seria necessária a preparação de uma Análise de Impacto Regulatório – AIR com todas as informações pertinentes.
Ainda que a Nota Técnica, anexa a esse comunicado de Audiência Pública, tente fazer esse dever do regulador com uma AIR de apenas uma página, não esclarece e/ou fundamenta todas as justificativas para a alteração, e quais seriam os reflexos passíveis de ocorrer na cadeia de contratos do setor de energia. Essa sintonia fina entre a vontade de atualizar as normas regulatórias do regulador e os interesses dos agentes tem de recepcionar e orquestrar os possíveis conflitos de interesses (responsive regulations).
Os assuntos apresentados nessa Audiência Pública são de alta relevância, exigindo reflexão sobre as mudanças no estado presente para garantir a legitimidade dessa “atualização” da regulação com segurança contratual para os contratantes.
Maria D’Assunção Costa
Advogada, Doutora em Energia e sócia da Assunção Consultoria