Opinião

Réquiem à Lei do Petróleo

A coluna bimestral de Wagner Freire

Por Redação

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O presidente Lula, ao sancionar a lei instituindo o modelo de partilha para o “pré-sal” e “áreas estratégicas”, que se juntou à lei da “cessão onerosa para a Petrobras” e à lei que criou a empresa pública PPSA, todas de sua iniciativa, consumou profunda alteração no quadro regulatório do processo de E&P no Brasil. A justificativa para isso: as expressivas descobertas na Bacia de Santos, em reservatórios carbonáticos aptianos abaixo do sal, que se iniciaram com Tupi, em julho de 2006.

O reflexo mais claro dessas descobertas foi a retirada da 9ª rodada da ANP de 41 blocos do pré-sal apenas algumas semanas antes de sua realização, em novembro de 2007. E a 8ª rodada, que foi suspensa em novembro de 2006 por decisão judicial, jamais foi retomada, mesmo com decisão favorável do STF, em outubro de 2007, pois continha blocos no pré-sal.

Na verdade, houve uma superestimada e precipitada avaliação do potencial dessa área (“não tem riscos, basta perfurar que dá óleo”) que motivou todo esse movimento, visando basicamente uma redistribuição de receitas potenciais futuras. Foi nesse aspecto que se concentraram a ação do Congresso e os vetos do presidente à lei da partilha. A reboque desse objetivo, porém, consumou-se um verdadeiro processo de estatização da atividade e uma diluição das atribuições da ANP.

Hoje, depois das avaliações de consultores independentes contratados por Petrobras e governo, vê-se que o potencial do pré-sal não se confirmou no nível anunciado. Depois de 11 poços em Tupi e TLDs, chegou-se a reservas provadas de apenas 1,65 bilhão de BOE para os dois campos dessa área (um único campo, não faz muito tempo), muito longe dos 8,3 bilhões de BOE recuperáveis estimados pela declaração de comercialidade encaminhada à ANP. As reservas poderão ser maiores, mas não há como confirmá-las por enquanto.

Roncador, descoberto em 1996 no pós-sal, tem reservas originais próximas a 4 bilhões de BOE. O campo está em águas bem mais rasas, mais próximo à costa, sem a espessa e problemática camada de sal e sem grande quantidade de CO2, ao contrário do que ocorre no pré-sal de Santos.

Ou seja, os custos de exploração, desenvolvimento e operacionais desse campo são incrivelmente mais baixos. Mesmo assim, seu desenvolvimento ainda não foi completado.
O modelo de partilha, a pretexto de aumentar o government take, não se sustenta, porque o modelo brasileiro de concessão dispõe do mecanismo da Participação Especial (PE), que compensaria qualquer ganho excessivo das companhias de petróleo sem a complicação de encarregar uma estatal de comercializar a parte do governo. A nova lei, porém, garante a essa empresa pública o direito de contratar a Petrobras para comercializar o óleo sem concorrência. Em resumo, a Petrobras venderá óleo para ela mesma!

O mais inusitado, contudo, são as disposições que permitem ao governo conceder áreas do pré-sal ou estratégicas à Petrobras sem concorrência ou, quando fizer leilão, designá-la como operadora, com pelo menos 30% de participação nas áreas. Assim, a Petrobras será a operadora mesmo que tenha perdido a licitação, situação em que terá de aderir aos termos da concorrente vencedora. O pré-sal tem desafios de inovações tecnológicas e de redução de custos incompatíveis com essa exclusividade.

A lei da cessão onerosa “inovou” também ao submeter os campos que eventualmente venham a ser descobertos e desenvolvidos apenas ao pagamento de royalties, “esquecendo” a PE. O estado do Rio de Janeiro, claro, protestou com uma ação no STF.

Há outras “inovações” inexplicáveis: (i) a revogação das disposições sobre unitização da Lei do Petróleo, a exclusão de recurso à arbitragem e atos discricionários, como banir o concessionário que não concordar com as decisões do governo; (ii) a atribuição à nova estatal da análise dos dados sísmicos fornecidos pela ANP e pelos contratados; (iii) o gerenciamento por essa estatal dos comitês de operação, e com direito a veto; e (iv) os privilégios da reserva de mercado, agora definidas em lei para o conteúdo local, que fazem lembrar os tempos da reserva de informática, dos anos 70.

Nada disso, porém, se compara ao considerável atraso na avaliação do potencial petrolífero do país, acima ou abaixo do sal, decorrente do desaparecimento das rodadas da ANP. Quanto ao pré-sal, com tantos projetos sob a responsabilidade da Petrobras, tão cedo não deverão ocorrer licitações com partilha da produção.

Caberá ao governo Dilma dedicar redobrada atenção a todas essas questões.

Alea jacta est!

A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses

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