Opinião

Sobre a Medida Provisória 579

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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O setor elétrico tem vivido intensa discussão sobre a Medida Provisória 579, com foco no tema “renovação das concessões”. Em geral, os concessionários com contratos vencendo nos próximos anos reclamam que assunto de tamanha importância deveria ter sido objeto de projeto de lei, não de medida provisória. Também se queixam do prazo exíguo e de que faltariam informações para a tomada de decisões estratégicas. 

Por outro lado, o argumento fundamental do governo para a edição da MP – consumidores não devem pagar novamente por ativos de geração hidrelétrica e de transmissão já amortizados – não tem sido seriamente contestado. Situação diferente da que vivi em meu primeiro ano como diretor-geral da Aneel, em 2005, quando levantei essa mesma tese. Na ocasião, ao pedir vistas de um processo de renovação de concessão, disse que entendia que o ativo já pertencia aos consumidores, e que não seria razoável presenteá-lo aos acionistas (apresento a minha visão sobre renovação de concessões no capítulo 12 de meu livro, Desafios do Regulador).

É de se prever que o Congresso Nacional introduza modificações ao texto no projeto de conversão da MP em lei ordinária. Tomara que possamos festejar as mudanças. Há espaço para isso porque, de fato, há itens que merecem aperfeiçoamento. Por exemplo, a MP possibilita que as empresas com contratos de concessão vencendo nos próximos anos continuem concessionárias, mesmo sem vencer um processo licitatório, desde que aceitem antecipar o vencimento do atual contrato e a limitação da tarifa aos custos de O&M. Por outro lado, o governo aceita indenizar precocemente os ativos ainda não depreciados, como se tivesse ocorrido a reversão da concessão. O cálculo dessa indenização, porém, será feito como se os ativos de transmissão construídos antes do ano 2000 já estivessem totalmente depreciados, a despeito da vida útil remanescente (Art. 15, § 2o). Trata-se de uma hipótese talvez verdadeira para muitas concessões, mas não necessariamente para todas. 

Até aí tudo bem, porque o pedido de prorrogação é uma opção que o concessionário pode ou não adotar. Há, contudo, quem ache que o Art. 15, § 2o também se aplicaria no caso de opção pela não prorrogação. Pessoalmente discordo dessa interpretação, porque não acredito que o governo queira alterar as regras com o jogo já iniciado. De toda a forma, o Congresso daria uma importante contribuição se aperfeiçoasse a redação, para evitar dúvidas.

O Congresso poderia também se debruçar sobre a proposição da MP de beneficiar apenas os consumidores cativos com a energia mais barata das hidrelétricas que tiverem os respectivos contratos prorrogados (Art. 1o, § 1o, I ). Isso porque é difícil justificar a exclusão dos consumidores livres do benefício, quando se sabe que eles também participaram do esforço para amortização dos ativos.

A MP acertou em cheio ao diminuir o peso dos encargos na composição da tarifa, mesmo mantendo alguns subsídios cruzados de grande relevância. Caso do desconto tarifário para os consumidores de baixa renda e do incentivo à universalização. Aliás, em se falando de universalização, podemos nos orgulhar de que 99,3% dos domicílios brasileiros já são atendidos por energia elétrica. Alcançar os 0,7% remanescentes é um desafio que envolve aspectos técnicos e políticos. Como quase todos os domicílios ainda não atendidos se localizam em regiões esparsamente povoadas, a opção mais óbvia – extensão da rede elétrica – é em geral absurdamente cara. O custo unitário pode ultrapassar R$ 100 mil. Dinheiro suficiente, por exemplo, para construir uma rede de coleta de esgoto (não necessariamente na mesma região), capaz de servir dezenas de casas. 

Se o Congresso aproveitasse a tramitação da MP para discutir esse tipo de questão, talvez se criasse a condição política para a escolha de soluções razoáveis, embora não ideais sob o ponto de vista da comodidade do consumidor. Para esse caso específico, o razoável seria gerar eletricidade a partir de alguma fonte renovável local, caso disponível, com backup do caro e poluente gerador a diesel.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses
E-mail: jerson@kelman.com.br

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