Opinião

Sobre petróleo, bancos e crise

Por Redação

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Diante da atual crise financeira global, para o Brasil, país sem poupança, com compromissos de investimentos gigantescos, frente a seu medíocre passado econômico recente e portando uma dívida social que somente pode ser atendida pelo aumento da renda das famílias, a equação macroeconômica é difícil de fechar. Em compensação, a manutenção do controle pelo capital nacional do sistema bancário e financeiro – para isto o Proer serviu –, o tamanho ainda reduzido do crédito na riqueza nacional (apesar do crescimento recente), as regras rígidas a que estão submetidos os bancos de investimentos no país (às quais não estavam submetidos os maiores bancos de investimentos americanos que acabam de desaparecer) e o isolamento relativo do mercado nacional das finanças internacionais (à exceção da bolsa de valores e do mercado cambial) concedem ao país um amortecedor, que é reforçado por US$ 200 bilhões de reservas. Em tudo isso, o petróleo é uma oportunidade única para o país.

Petróleo é risco, seja para achá-lo, seja para bem aproveitá-lo. A questão financeira ainda está no âmago do entendimento. Não basta descobri-lo uma vez em cinco, seis ou sete vezes depois de perfurar sem sucesso. Quando descoberto em quantidade pode trazer riqueza, mas, mormente, somente para poucos. É o mal holandês. A metáfora mais imediata é o puxa-ou-empurra. Os elevados investimentos drenam a poupança, escassa em países pobres, e tudo pára, exceto óleo e gás. A atratividade dos projetos é tanta que suga grande parte dos recursos (capital, matérias-primas e mão-de-obra) e sobra pouco para financiar os investimentos e fazer crescer outras atividades. A fortuna de poucos, onde nada mais cresce além de O&G, gera inflação, que, num ambiente estagnado, faz aparecer, por sua vez, a estagflação.

A escassez de poupança (para financiar os investimentos) é um limite ainda maior quando, em países pobres, é o aumento da renda das famílias que se sobrepõe a qualquer outro objetivo. Excluído o resto do mundo, a renda do país é uma só, e limitada. Assim, o significativo aumento do investimento em O&G somente se faria em detrimento da melhoria do consumo dos mais pobres. Alerte-se para a dimensão da drenagem de riqueza que grandes projetos petrolíferos causam; os estragos não são poucos, como demonstram a Nigéria e o Chade, na África, o Equador e a Venezuela, na América do Sul, o Iraque e o Irã no Oriente Médio.

Eis aí uma primeira razão, não de mérito, mas de fundo, para desconsiderar o Estado como solução, mesmo que parcial, às imensas necessidades de capital que se avizinham com o desenvolvimento das reservas do pré-sal. Uma segunda razão, também de fundo e não de mérito, é a estabilidade iniciada na metade da década passada e consolidada nesta. Responsabilidade fiscal, arrocho monetário e câmbio livre têm efeitos amargos que somente os economistas conhecem, mas formam a base da solidez macroeconômica conquistada; única na história do país e, no mínimo, oportuna frente à presente crise da banca internacional e à estagnação econômica que se antevê para o mundo. Ademais, a condução da política econômica, de forma alguma, aponta para qualquer aumento dos gastos de governo às custas de objetivos que não sejam sociais. Se o país não é mais pobre, ainda tem muito pobre. Daí não ser consistente macroeconomicamente aventar a hipótese de o Estado investir no pré-sal. É muito dinheiro, há pouca poupança e os riscos de cair doente como a Holanda na década de 1970 são enormes.

O petróleo não pode puxar, sugar ou drenar. Tem de empurrar a economia e carregar o Estado. Tem de ser uma alavanca para o crescimento e para a distribuição da riqueza. São direitos, e não obrigações, o que o aproveitamento das jazidas deve gerar para a sociedade. As carências sociais ainda são exorbitantes e a propriedade é do Estado, o que justifica plenamente a superioridade do direito público frente a qualquer interesse privado. E o petróleo pode muito bem empurrar a economia local, criar oportunidades de negócios, gerar emprego e renda com facilidade ainda maior quando existe uma base industrial diversificada, como no Brasil. Gargalos em mão-de-obra e tecnológicos são superados com largos efeitos para os demais setores produtivos, como demonstra a experiência no Mar do Norte, a partir do final da década de 1960. A riqueza do petróleo pode ser proveitosa para muitos, desde que a política econômica do país se adapte à nova realidade e que uma política industrial – adequada para disseminar os ganhos tecnológicos originados na energia – seja formulada.

A US$ 60 o barril, o valor atual líquido do pré-sal é largamente positivo, a 10% de taxa de desconto, com toda a incerteza ainda presente e por mais aversão ao risco que se tenha. São centenas de bilhões de dólares – talvez US$ 400 bilhões ou um pouco mais – de investimento nos próximos 15 a 20 anos. É muito tempo e dinheiro, e a despeito da capitalização da indústria petrolífera, a engenharia financeira do projeto é crucial. Além disso, sua execução não pode desfazer a estabilidade macroeconômica e pode, sim, dar ainda maior consistência ao atual crescimento.

É esperada uma estagnação na economia norte-americana durante os primeiros três trimestres de 2009, assim como na União Européia e no Japão. Ela seria acompanhada de alguma queda no crescimento de China, Índia, Rússia e países do Golfo Pérsico durante 2009, ao reduzir a demanda mundial e em razão da importância das exportações nestas economias. Os preços de matérias-primas, produtos agrícolas e insumos industriais tendem a se arrefecer, e o valor das exportações brasileiras cairá como nos demais países. Aliada à contração do crédito, certamente o resultado será a redução do crescimento. Manter algo acima de 4% em 2008, sugerem as atuais expectativas, já seria muito otimista. Em realidade, este crescimento pode ser maior que o esperado pelo mercado, uma vez que a intensidade da queda, nos próximos 12 a 18 meses, dependerá da sustentação da demanda interna, e não das vendas externas. Os investimentos estão em franca aceleração, a renda das famílias em contínua expansão, as linhas de crédito oficiais disponíveis e em crescimento e, o essencial, as expectativas de lucros são positivas. Tudo indica que, se a estagnação antevista no centro econômico para 2009 não ultrapassar o ano, ela não afetará significativamente a economia brasileira. Por uma vez, em tempos recentes, ir contra a maré será conveniente. Se antes todos cresciam e aqui patinava-se, agora, pode-se crescer enquanto eles patinam.

Atenção, porém, para outra alternativa, mais cética. Muito diferente será se a estagnação perdurar para além do final do próximo ano. A contaminação das atividades produtivas em escala mundial, já presente, ganhará profundidade. Marcará, assim, uma crise econômica, e não mais uma crise financeira ou bancária. Teria sido, então, preenchida toda a seqüência clássica de eventos: estouro da bolha especulativa (imobiliária), crise financeira, corrida bancária, contração do crédito, queda da demanda, recessão econômica, deflação de preços e desemprego de homens e equipamentos.

Neste caso, a dimensão teórica e temporal é outra, estaríamos no limiar de uma mudança no regime de acumulação, de centro econômico e da geopolítica internacional. Ela poderia ser resumida na decadência do império do acionista americano e a ascensão do socialismo de mercado chinês (1). Seguindo os passos de Schumpeter, faltaria ainda identificar a inovação maior, aquela que dará impulso ao novo ciclo, à próxima maré montante de crescimento, daqui a cinco ou dez anos, depois da necessária destruição do capital instalado. Afinal, é para isto que servem as verdadeiras crises. Mas isto é outra história...

                                                        (1) Giovanni ARRIGHI (2008). Adam Smith em Pequim: Origem e Fundamentos do Século XXI. São Paulo: Boitempo.

Luis Eduardo Duque Dutra é chefe de gabinete da Direção Geral da ANP

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