Opinião

SPEs como Instrumento de alocação de risco no Setor Elétrico no Brasil

Por Redação

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A expansão do setor elétrico no Brasil tem sido em grande parte baseada em estruturas de financiamento do tipo Project Finance, o que acarreta uma proliferação de empresas do tipo Sociedade de Propósito Específico – SPEs.

Esse movimento tem suscitado preocupações quanto ao mérito ou benefício efetivo da criação dessas empresas, principalmente quando há participação relevante de estatais, o que é frequente. A criação de SPEs por estatais tem sido tema presente inclusive na pauta do TCU1, que no Acórdão 2.322 de 2015 faz um conjunto de determinações para Furnas.

O cenário de sucessivos escândalos de corrupção no país certamente inspira cuidados nos mecanismos empregados pelas estatais para promover investimentos, principalmente considerando a magnitude dos valores envolvidos.  É preciso, no entanto, abordar de forma estruturada a racionalidade econômico-financeira que orienta a constituição das SPEs, principalmente em grandes empreendimentos de infraestrutura. Se de fato suscita um debate de práticas sensíveis, por outro, a experiência também as mostra como importantes veículos para isolamento de riscos e dimensionamento de custos.

Quando se analisa a literatura de finanças corporativas, Myers & Majluf (1984)2 já mencionam a criação de “spin-off Project companies”.  De acordo com os autores, na realização de um novo investimento há uma inerente assimetria de informação entre as firmas e investidores (externos), tanto sobre o valor dos ativos existentes, quanto dos novos projetos. Essa assimetria reduziria incentivos a investir. Uma alternativa seria criar entidades isoladas, novas, como as SPEs, nas quais o conhecimento é mais uniforme.

No setor elétrico, a criação de SPEs é uma exigência regulatória para investimentos em transmissão desde os primeiros leilões, realizados no final da década de 1990. Posteriormente, se estendeu aos investimentos em geração. Esse movimento foi incentivado pela regulação setorial.

Em termos setoriais, o Project Finance passa a ser uma das principais formas de estruturação de projetos a partir da década de 1990.  Os mecanismos de contratação instituídos pela Lei n.º 10.848, ao viabilizarem a contratação de longo prazo no ambiente regulado, criaram condições favoráveis para estruturas de PF que tem na SPE um veículo dotado de independência legal e capaz de melhor alocar riscos de natureza diversa: de mercado, de demanda, de implantação, operacionais, legais, dentre outros. A melhor alocação dos riscos reduz os custos de capital para investidores.

Se de um lado há benefícios e racionalidade econômica na criação de as SPEs, cabe avaliar como assegurar que essa descentralização seja acompanhada de governança adequada e compromisso com controle (accountability), principalmente nos casos em que o Estado é um acionista.
Um exemplo relevante de não atenção a esse tipo de problema é o caso da Enron. A companhia fez uso abusivo de SPEs fora do balanço para alcançar resultados contábeis. Uma das explicações para os problemas enfrentados pela companhia foi a falta de uma estrutura de divulgação dos resultados vinculados a essas companhias na estrutura da holding. 

Voltando ao Brasil, é importante investigar as regularidades presentes nas experiências positivas, para avaliar se a tendência de criação de SPEs é ou não positiva.  O setor elétrico traz alguns ensinamentos nesse sentido. De modo geral, investidores comprometidos com boa governança corporativa tendem a incentivar boa governança nas SPEs. Como resultado, observa-se menor volume de renegociações desfavoráveis, o que incentiva resultados mais próximos do programado, seja nos prazos e nas condições e preços e implantação dos empreendimentos.

Um benefício claro pode ser percebido também no caso recente da Abengoa, empresa de controle espanhol que começou a apresentar dificuldades financeiras comprometendo investimentos importantes em ativos de transmissão já contratados no Brasil. No caso das instalações já implantadas, os problemas de solvência da companhia não afetam as SPEs, que se encontram insuladas dos riscos da controladora.

Distinções dessa natureza permitem avaliar a eficácia e benefícios relativos de promover investimentos por meio de estruturações de tipo Project Finance. As lições que emergem evidenciam a importância de estabelecer boa governança principalmente nos casos em que as SPEs têm participação relevante ou controle de empresas estatais, que tem papel de destaque no setor. É fundamental também criar condições para que a governança produza resultados efetivos (enforcement) para viabilizar investimentos na expansão do setor elétrico no Brasil com melhoria nas condições de alocação de risco e, em consequência, redução de custos de capital. 

Joisa Dutra é Diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (Ceri) da FGV-RJ e ex-diretora da Aneel

1 O processo buscou avaliar a intensa participação das Sociedades de Propósito Específico – SPEs como arranjo de estruturação de investimentos conduzidos pela estatal. Furnas tem participação em 81 SPEs. Os temas incluíram avaliação do planejamento,  gestão e controle. 

2 Myers & Majluf (1984),  “Corporate Financing and investment decisions when firms have information that investors do not have” – Journal of Financial Economics.

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