Opinião

Sustentabilidade em pauta

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Um grupo de pesquisadores e entidades que se opõem à construção de hidrelétricas na Amazônia reuniu suas ideias numa publicação que merece comentário1. Há que se comemorar a postura do grupo de “contribuir para o debate entre governo e sociedade sobre oportunidades e desafios para o setor elétrico brasileiro”. Mas há que lamentar a não apresentação de alternativas verdadeiramente viáveis às hidrelétricas, não apenas em termos técnicos, mas também econômicos. No último capítulo propõe-se “jogar todas as fichas” em energia eólica, solar, das marés e na repotenciação de hidrelétricas antigas. Nenhum governante responsável faria essa aposta. Mas não há espaço aqui para explicar o porquê.

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, no prefácio, afirma que “certamente será preciso aumentar a oferta de energia para que a grande parcela de nossa população, hoje excluída do acesso a serviços e confortos propiciados, possa fazer parte plena de nossa sociedade. Entretanto, não só é desejável como necessário que esse aumento de oferta se faça paralelamente à eliminação e à redução de desperdícios e usos ineficientes de energia”. Corretíssimo!

Desperdício é, por exemplo, sair de casa e deixar o ar condicionado ligado, como faziam muitos moradores da Favela Dona Marta, no Rio de Janeiro, antes da pacificação. Na época, nenhum eletricista podia entrar na comunidade sem permissão do tráfico, e ainda assim, só para consertar a rede. Nesse contexto social, pouquíssimas famílias permaneciam adimplentes, e o consumo médio familiar era muito alto. Após a pacificação, a qualidade do serviço melhorou, e a concessionária teve condições de desconectar inadimplentes. Com isso, o consumo familiar médio caiu drasticamente. Antes da pacificação os moradores do Dona Marta consumiam 50% a mais do que necessitavam.

Pena que nenhuma das ONGs contrárias às hidrelétricas tenha tido interesse em denunciar desperdícios decorrentes da informalidade da economia. Preferem atacar os supostos pecados da economia formal: o alegado desperdício de energia no transporte pela rede básica e o elevado consumo dos eletrointensivos.

Sobre a rede básica, Oriana Rey afirma que o “o percentual de perda de energia elétrica no Brasil é 100% superior ao dos demais países da América do Sul e da Europa” e que o Brasil, “em vez de priorizar programas de combate de perda de energia elétrica nas linhas de transmissão, busca sanar a demanda de energia por meio da construção de outras fontes de geração”. É uma comparação injusta, porque a perda na transmissão depende da extensão da rede, muito maior no Brasil do que nos demais países. 

Celio Bermann afirma que “os setores eletrointensivos devem interromper os investimentos no aumento da sua capacidade de produção, para, em seguida, reduzir a atual escala de produção ou reorientá-la para o mercado interno, não estando descartada, em algumas situações, o próprio encerramento das atividades”. É difícil opinar sobre isso pela ausência de estimativas sobre as consequências para a economia do país. Convém observar, porém, o drama de algumas indústrias eletrointensivas nacionais que não conseguem competir com as similares norte-americanas, beneficiadas com o baixo preço do gás de xisto.

Os diversos capítulos apresentam as usuais objeções às hidrelétricas – impactos sobre indígenas, fauna e flora. Mas há afirmações curiosas. Phillip Fearnside e Brent Millikan afirmam que “a energia gerada através das hidrelétricas não é verdadeiramente renovável, uma vez que cada usina tem um tempo útil de vida por conta da sedimentação”. Como no Brasil não se tem notícia de usina incapacitada por sedimentação, o argumento é falacioso, semelhante ao usado anos atrás para defender a ideia absurda de que a energia de pequenas hidrelétricas é renovável, mas a das grandes, não. Na ocasião, a então ministra Dilma Rousseff teve de ir a um congresso na Alemanha para pôr os pingos nos “i”s.

1 O setor elétrico brasileiro e a sustentabilidade no século XXI: Oportunidades e desafios.


A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses.
E-mail: jerson@kelman.com.br

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