Opinião

Sustentabilidade global e local

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Assumindo, como é o pensamento dominante, que haverá uma catástrofe climática se a humanidade não mudar os hábitos de consumo, o desafio ético de um cidadão do mundo desenvolvido – por exemplo, um europeu – é ser solidário com as futuras gerações em escala global. Ou seja, ele se vê pressionado a mudar o estilo de vida no presente em solidariedade a anônimos habitantes de uma futura Terra. 
A História ensina que propostas ideológicas que necessitam de relevantes mudanças comportamentais movidas por solidariedade podem até funcionar por algum tempo. Mas só por algum tempo. Foi o que ocorreu ao longo dos séculos com inúmeras correntes religiosas e, também, com o comunismo. Karl Marx pregava: ?de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. Muito generoso e nobre, mas a teoria, na prática, é outra. Talvez porque a maioria de nós às vezes age sob o impulso de uma solidariedade episódica. Mas não permanente. 
Quando o sapato aperta o calo, fica ainda mais difícil ser solidário. O que explica a perda de interesse da Europa pela temática sobre mudança climática, a partir da atual crise econômica global, iniciada em 2008. E explica, também, a proposta da chamada Economia Verde, que propõe a internalização das externalidades ambientais nos custos de produção. Supostamente, essa iniciativa propiciará o melhor dos dois mundos: milhões de empregos e uso sustentável dos recursos naturais.
Nós, cidadãos de países em desenvolvimento, ao contrário dos que vivem em países desenvolvidos, temos mazelas ambientais e sociais que carecem de solução aqui e agora. Nosso desafio ético é ser solidário não apenas com as futuras gerações, mas também com os nossos contemporâneos e conterrâneos. Por exemplo, ser solidário com as comunidades pobres das periferias das grandes cidades, às vezes sem acesso à água potável e quase sempre inundadas de lixo e dejetos que escoam ao ar livre por valas malcheirosas.
Richard Lindzen, professor de climatologia do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e “cientista maldito? na comunidade dedicada ao estudo das mudanças climáticas, vai além. Ele reconhece que houve elevação de temperatura nos últimos 150 anos, que ela continuará no futuro devido à ação humana, sobretudo pela emissão de CO2. Mas discorda dos que entendem que as consequências serão catastróficas. Ele afirma que ?o aquecimento global em si não é perigoso, mas as políticas propostas para combatê-lo certamente são. Precisamos esquecer o clima e nos focar nos problemas reais da humanidade, como o acesso à água limpa. Isso custaria muito pouco e poderia ter um grande efeito na qualidade de vida das pessoas... Com o discurso ambientalista estamos negando a bilhões de pessoas a possibilidade de ter acesso à energia para viver decentemente... Eventos extremos sempre ocorrem em algum lugar do mundo... (porém) não se percebe que o que alimenta essas grandes tempestades é a diferença de temperatura entre os trópicos e os polos e que, com o aquecimento global, essa diferença tende a diminuir. Com isso teremos menos e não mais tempestades severas. Mas esse discurso não assusta ninguém, enquanto dizer o contrário parece excitante” (O Globo, 20/6/2012).
Tomando apenas esse último argumento, aqui também entre nós se estabeleceu uma grande confusão acerca das consequências do aquecimento global. A maior parte dos ambientalistas nos alerta para a possibilidade de que ocorra uma modificação hidrológica em escala global, já irreversível, que tornará as secas e as inundações mais frequentes e mais intensas. Seguindo o conhecimento milenar, esses mesmos ambientalistas deveriam estar apregoando a construção de reservatórios para mitigar os efeitos dessa condição. É o que a humanidade tem feito ao longo dos milênios: constrói barragens para armazenar o excesso de águas durante as cheias para uso nas estiagens e para impedir que os rios transbordem e inundem as cidades. Mas poucos o fazem. Por que será?

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