Opinião
Um olho na Bolívia, outro no Brasil
Em 2019, vence parte do contrato de importação de gás natural firmado entre as estatais Petrobras e YPFB, em um volume de 18 milhões de m³/dia. A oferta boliviana representa, hoje, 37% da demanda brasileira. Diante disso, e do já anunciado plano de desinvestimentos da Petrobras, as condições da renegociação destes volumes estão associadas a uma importante oportunidade de diversificação da comercialização no mercado nacional. O objetivo é criar maior competitividade e transparência ao mercado consumidor.
Dados de um estudo técnico encomendado pela Abrace em 2016 indicam que o Brasil ainda dependerá do gás boliviano para complementar a oferta nacional, pelo menos até 2025, se mantivermos as atuais condições de oferta doméstica e do despacho térmico. A alternativa ao gás da Bolívia seria a importação de GNL, que pode apresentar maior volatilidade de preço e custos mais elevados. O que preocupa a indústria energointensiva é que, apesar das oportunidades, a renovação deste contrato gera também incertezas.
A Petrobras já sinalizou que não pretende renovar este contrato nos volumes atuais, mas não disse ao mercado qual montante irá demandar. Esta é a primeira dificuldade para os novos agentes em busca de oportunidades. A ausência de informações reduz a janela de oportunidade aberta no horizonte.
Incertezas na oferta e no transporte
Além das responsabilidades atribuídas ao Brasil, há um agravante decorrente da capacidade da Bolívia em continuar suprindo o mercado brasileiro, diante dos compromissos de fornecimento assumidos com a Argentina. A produção dos campos existentes – que representam mais de 70% do total das exportações para o Brasil e Argentina – está amadurecendo e, segundo especialistas, as recentes descobertas não são suficientes para sustentar a alta produção.
No Brasil, o setor de gás natural também apresenta imperfeições e necessidade de melhorias. Barreiras comerciais e regulatórias só serão derrubadas com a regulamentação das diretrizes do programa Gás para Crescer. O primeiro entrave comercial a ser derrubado é a contratação do gás boliviano de forma isonômica entre os agentes. Seria preciso também melhorar a regulamentação estadual; criar um mercado de curto prazo e apresentar medidas de estímulo à competitividade, como os programas de gas release e limitação ao self-dealing.
O transporte é outra preocupação, já que não existe transparência para a capacidade ou para as tarifas. Uma diversidade de critérios tarifários torna impossível saber qual o real custo do transporte de gás no Brasil. As distribuidoras pagam hoje um valor que reflete o custo médio dos contratos de transporte firmados com a Petrobras, única carregadora. Sua lógica contratual lhe garante flexibilidade para retirar gás natural em qualquer ponto da malha, o que reduz a capacidade disponível para contratação por outros agentes. Assim, há muitas indefinições sobre como será a coordenação da contratação de capacidade entre o Gasbol e as demais infraestruturas de transporte, cuja capacidade de longo prazo está totalmente contratada pela estatal.
Gerenciamento de riscos é outra barreira importante. O setor de gás brasileiro não possui um mercado propriamente dito, há apenas um único ofertante que negocia com as distribuidoras estaduais. Tampouco há instalações de estocagens, instrumento essencial à mitigação dos riscos envolvidos na contratação do gás por novos ofertantes.
Todos esses fatores explicam a preocupação da indústria consumidora com o tema. É urgente a discussão dos critérios e condições para a renovação do contrato de suprimento de gás natural entre o Brasil e a Bolívia e a necessidade de mecanismos eficientes para dar tratamento isonômico aos demais interessados na importação do gás boliviano. Daí pode surgir importante estímulo à retomada da indústria no país.
Juliana Rodrigues, Especialista em Gás Natural da Gerência de Energia da Abrace – Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres