Opinião
Visão e ação
O momento especial que o setor elétrico brasileiro vem atravessando impõe uma reflexão sobre o futuro da expansão da nossa geração de energia elétrica. Médias históricas que cada vez mais parecem fazer parte de um passado que se foi, reservatórios atingindo o menor nível jamais registrado, consumo em expansão com a ascensão de milhões de indivíduos a um melhor padrão de vida, preços de energia em disparada e empresas estatais sem fôlego para investir são algumas das condições de contorno de um quadro complexo, e muitas vezes com matizes dramáticos.
A oferta de energia – ou antes, a falta dela – ganha cada vez mais espaço na mídia e na preocupação do cidadão Cresce o peso dos custos e da segurança do abastecimento nas decisões de investimento dos empresários.
Grande quantidade de combustível fóssil vem sendo queimada no Brasil nos últimos anos, gerando um rombo de bilhões de reais nas contas do setor elétrico, aumento da poluição atmosférica e geração de gases de efeito estufa. E, mesmo assim, não se afasta a ameaça de escassez de energia.
Com o esgotamento dos aproveitamentos hidroelétricos em 2025, sinalizado pelo próprio MME, o Brasil irá mudar necessariamente a sua matriz de energia elétrica de forma fundamental e definitiva. E essa mudança já está em curso.
A menor geração térmica medida nos últimos cinco anos ocorreu em abril de 2010, com 3.388 MW médios. Esse patamar só vem aumentando, registrando 11.400 MWm em 2013 e 12.600 MWm em 2014.
Isto significa que, ao longo desses anos, o sistema elétrico brasileiro demandou, no mínimo, esse volume de geração de fontes termoelétricas. É uma geração de base, ininterrupta, independente da estação do ano, da hidrologia, do regime de ventos ou da insolação.
Cabe aos planejadores refletir sobre que fontes são mais adequadas para suprir essa demanda de forma econômica e minimizando a emissão de gases causadores de efeito estufa, condição fundamental para a manutenção da uma matriz elétrica limpa.
A resposta é conhecida de todos, e a energia nuclear é uma parte importante desta solução.
No entanto o governo brasileiro vem mantendo uma postura dúbia em relação à energia nuclear. Se, por um lado, indica no Plano Nacional de Energia – instrumento de planejamento de longo prazo – a necessidade de quatro a oito novas usinas, por outro jamais menciona, em seus sucessivos Planos Decenais, o início das obras ou dos trabalhos de viabilização, com a desculpa que não ficariam prontas em dez anos, estando assim fora do horizonte do plano. Cria-se uma situação curiosa, uma visão cuja ação jamais se inicia, onde se deseja o resultado futuro, esquivando-se, porém, do trabalho imediato.
E qual seria esse trabalho?
A Eletronuclear já mapeou o território brasileiro, identificando as regiões mais adequadas para a instalação das futuras usinas. Dispomos do domínio do ciclo do combustível e nossas reservas de urânio estão entre as maiores do mundo, equivalentes a um segundo pré-sal. Temos tecnologias modernas, com usinas seguras e com prazo de construção reduzido, e contamos com investidores interessados em atuar no país.
Cabe, agora, ao MME, uma definição clara de um programa nuclear brasileiro, estipulando o tamanho da frota das novas usinas, suas tecnologias e o modelo de negócio de sua implantação. É preciso, também, revisitar o marco regulatório nuclear, modernizando nossas instituições e abrindo espaço para o investidor privado.
É um trabalho premente, sem o qual a visão de longo prazo jamais será realizada. Requer decisões firmes e desprovidas de preconceitos, exatamente o que mais se necessita nessa hora de aflição aguda que atravessa o setor elétrico brasileiro.
Hoje, não podemos nos omitir com relação ao lançamento de um programa nuclear baseado nas modernas usinas da geração III+, que trará a garantia de um futuro tranqüilo, com segurança energética.
Marcelo Gomes da Silva é engenheiro
e vice-presidente da Associação
Brasileira de Energia Nuclear