Opinião
Wagner Freire: Pré-sal no mar de inconstitucionalidades
A coluna bimestral de Wagner Freire
A emenda do deputado federal Ibsen Pinheiro, alterando os critérios da distribuição dos royalties e da participação especial é, sem dúvida, um atentado ao direito constitucionalmente garantido aos estados produtores de petróleo. Na concepção da Constituinte de 1988, esses valores, excepcionalmente pagos, compensariam as perdas dos estados privados da incidência do ICMS no destino, e não na origem, onde se dá a produção de óleo.
De um modo geral, a discussão da matéria, em busca de soluções mais justas para os estados, é bastante complexa e, a rigor, deveria ser objeto de tratamento específico, fora do âmbito dos PLs do governo. Pior: a confusão criada com os PLs era perfeitamente previsível, se o governo tivesse melhor visão estratégica.
É interessante observar que, quando a questão do pré-sal veio a público, cedo circulou o mapa, elaborado pela Petrobras, ilustrando uma área de 112 mil km², onde os reservatórios estariam presentes. Entretanto, o PL do governo, ao definir a área, ampliou-a para 149 mil km², 33% maior, avançando por águas rasas das bacias de Campos e Santos, com ou sem depósitos salinos, passando a englobar mais blocos com concessões em estágio exploratório e campos em produção.
Esse fato, associado à emenda Ibsen, a partir da vigência da lei – caso o PL vire lei –, muda o quadro completamente. Pelos aspectos inconstitucionais, se não forem feitas correções adequadas, sem dúvida as procuradorias estaduais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo entrarão com ações diretas de inconstitucionalidade no STF.
O que de fato mais surpreende, porém, é a busca de justificativas para os projetos do governo. Só encontramos algum suporte para o Fundo Social, feitos os devidos ajustes, válido com ou sem pré-sal, com ou sem partilha ou concessão. A adoção do modelo de partilha, em face das características especiais do modelo de concessão brasileiro, não encontra qualquer justificativa técnica ou econômica. A ANP é uma agência reguladora com existência e atribuições previstas no art. 177, §2, inciso III, da Constituição. A criação de uma nova estatal, diante da existência da ANP, é desnecessária e ofende a Constituição. Já a capitalização da Petrobras conseguiu estruturar-se num modelo extremamente complexo, confuso, inconsistente e também ilegal, pois ofende dispositivos da Lei da CVM. E, nesse caso, não é necessário, como defendem muitos procuradores, esperar que o projeto se transforme em lei, porque as inconstitucionalidades já estão em curso. Veja-se a perfuração do poço batizado 2-ANP-1-RJS.
Na verdade, os projetos extrapolam a mera introdução do modelo de partilha (típico de países com elevado Índice de Percepção de Corrupção, segundo levantamentos da Transparency International), de resto familiar para a Petrobras e a maioria das empresas de petróleo. São, sim, sua transformação em “jabuticaba”, que tem tudo para dar errado: adjudicação direta de blocos à Petrobras, a critério do poder Executivo da vez; designação da Petrobras como operadora única; e obrigatoriedade de sua participação em consórcios que não lhe interessem, quando perder eventuais concorrências. Há uma enorme transferência de privilégios para a Petrobras, empresa privada com apenas 32% de ações nas mãos do governo.
Para justificar sua infeliz iniciativa, o governo alega, entre outras questões, o baixo risco exploratório do pré-sal. Várias perfurações desmentem isto. A última é a do poço 3-BRSA-795-RJS, em pleno campo de Tupi, o quinto poço perfurado no campo. Foi seco!
Enquanto isto, no Golfo do México, a rodada 213, promovida este mês pelo MMS, vai arrecadar quase US$ 1 bilhão de bônus dos vencedores, entre os 77 competidores, com 32% dos blocos com propostas em águas de mais de 2.000 m e abaixo do sal. E a Colômbia, que instituiu, em 2003, nova legislação, criando a ANH, abrindo o capital da Ecopetrol e levando-a a competir por novas concessões, anuncia aumento da produção de petróleo em quase 50% nos últimos três anos, e procede à nova licitação este ano. No Brasil, já vamos para quarto anos sem licitações de áreas de interesse. Vamos acabar voltando a virar importadores de petróleo.
Esperamos que o Senado dê novo rumo à questão.