Opinião

AHE Belo Monte: estabelecendo novos paradigmas

Por Redação

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Paulo Fernando Rezende e Carlos Moya Figueira Netto

O projeto do aproveitamento hidrelétrico (AHE) Belo Monte, localizado na Volta Grande do rio Xingu, próximo à cidade de Altamira, no Pará, propõe, em sua configuração atual, 11.181 MW de capacidade instalada (20 unidades de 550 MW na casa de força principal e sete unidades de 25,9 MW em uma casa de força complementar, junto ao vertedouro na barragem principal).

Por ser conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), permite alcançar 4.796 MW médios de energia firme sem depender de nenhuma regularização de vazão do rio Xingu. Ou seja, não requer a construção de nenhum outro barramento desde a nascente do rio até Altamira. Nesta configuração, alagará 440 km2, dos quais 200 km2 correspondem às cheias anuais normais do rio.

Isso resulta em 0,04 km2 alagados por megawatt instalado - uma das melhores relações do país para empreendimentos implantados acima de 1.000 MW de potência instalada. Nos meses de cheias do Xingu, o grande volume das vazões, em parte defasadas dos demais rios do país, proporciona uma elevada geração de energia no AHE Belo Monte, permitindo que várias outras hidrelétricas em outras regiões do país poupem água em seus reservatórios para utilização no período seco.

Nos meses em que o AHE Belo Monte diminui a sua geração de energia (quando a vazão natural se reduz), o restante do SIN supre a demanda com saldos positivos devido à água economizada. O que se objetiva, com tal configuração, é que o projeto seja viável, não só técnica e economicamente, como também do ponto de vista social e ambiental.

Não se pretende impor o projeto a ninguém, mas estudá-lo com neutralidade e seriedade, determinando se tal viabilidade é fato e, em sendo, se é possível materializar o projeto. Se os estudos confirmarem sua viabilidade socioambiental e atratividade, sua implantação será peça-chave para o atendimento das demandas energéticas futuras do país, inclusive à luz do Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015 e do Plano Nacional de Energia 2030 do Ministério de Minas e Energia (MME).

O processo de discussão de avaliação social, ambiental e econômica de Belo Monte já dura 20 anos, tendo o projeto sido sucessivamente otimizado, em função predominantemente das novas questões sociais e ambientais. Não há nenhuma terra indígena alagada.

Operando a fio d'água (sem acumular água no reservatório), sua cota de alagamento será semelhante àquela das cheias anuais do Xingu em Altamira, o que implica remover a população menos favorecida que hoje ocupa os igarapés alagáveis da cidade e que já enfrentam calamidades anuais. Tais famílias, que já sofrem com as cheias, serão reassentadas em locais seguros e em condições mais favoráveis que as atuais.

Já no trecho rio abaixo (a jusante) da barragem principal, as vazões ecológicas a serem determinadas pelos estudos socioambientais deverão ser mantidas pelo futuro operador, observando os condicionantes do próprio licenciamento ambiental. Para concluir a análise da viabilidade do projeto, após tantos anos de discussão, o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo 788/2005, que condiciona a implantação de Belo Monte à realização de vários estudos, entre os quais um EIA-Rima completo e atualizado e um estudo Etno-Ecológico para permitir a avaliação dos impactos e a participação dos indígenas que habitam as redondezas.

À luz da necessidade de realizar tais estudos, a Eletrobrás assinou um Acordo de Cooperação Técnica com empresas privadas (Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez), mobilizando as principais empresas de consultoria do país, tendo em vista resgatar a definição da alternativa que se encontra em estudo, elucidando os fatos, separando-os das especulações: um projeto sem regularização de vazões a montante, permitindo ganhos significativos em todo o sistema interligado, maximizando a sinergia da complementaridade hidrológica, considerando os condicionantes socioambientais locais - inclusive os das minorias étnicas e as particularidades da Amazônia.

É importante frisar que, se for viável e contar com a licença ambiental prévia (LP), Belo Monte será objeto de concessão mediante leilão competitivo, nos termos da legislação vigente. E não será exceção ao cumprimento dos preceitos do Decreto 788/2005 e dos ritos legais de licenciamento ambiental: a LP definirá as condições de detalhamento do projeto, necessárias para a obtenção da licença de instalação (LI) - somente após esta as obras poderão ter início - e, durante as obras, o respeito às exigências da LI será condicionante para a obtenção da licença de operação (LO), a qual será renovada periodicamente, conforme a legislação ambiental. Por isso, estão em andamento a Revisão do Inventário do rio Xingu, com estudos de engenharia e ambientais - uma vez que o inventário original foi realizado antes da Constituição Federal de 1988, quando nem todas as atuais terras indígenas e unidades de conservação existiam.

Em paralelo, vem sendo realizada a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da Bacia do Xingu, no sentido de prover uma visão sinérgica, evitando análise restrita ao empreendimento apenas, abrangendo a bacia hidrográfica como um todo. Adicionalmente, será realizado um EIA-Rima completo e atualizado, cujo intuito não é o mero cumprimento de ritos legais, mas criar um instrumento de discussão dos condicionantes do projeto com a sociedade, aumentando a transparência do processo e criando a legitimidade necessária ao sucesso do empreendimento.

Como exemplo, cita-se a programação, pelo Ibama, de consultas públicas à população dos municípios da área de influência, com a participação da Funai (Fundação Nacional do Índio), para elaboração dos termos de referência, incluindo mobilização das lideranças indígenas, a fim de que se manifestem democraticamente. Apenas o EIA-Rima será capaz de indicar o real impacto do empreendimento ante as condições ambientais locais atuais, a identificar os impactos, as medidas mitigadoras e as compensatórias, detalhando os condicionantes ambientais e institucionais atuais condizentes com esta etapa do processo de licenciamento ambiental. Somando-se ao EIA-Rima (que normalmente já incluiria a variável etno-ecológica), há a demanda, no Decreto 788/2005, de um Estudo Etno-Ecológico (um estudo antropológico específico) que permite um levantamento completo das comunidades indígenas de modo a conhecer sua situação atual e futura com a construção do projeto e suas reais necessidades, obedecendo às demandas da Constituição Federal.

Esse estudo tem o envolvimento da própria Funai desde seu início, inclusive na elaboração dos termos de referência específicos. Mas isso ainda não basta para estabelecer novos paradigmas no desenvolvimento de um projeto com esse grau de importância para o futuro do suprimento energético do país. Há um componente responsável pela condução dos esforços de comunicação e interação social de Belo Monte.

Composto de vários eixos específicos, o trabalho permite aumentar a transparência do processo de discussão, visando contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população local. O projeto do AHE Belo Monte vai além de sua simples inserção regional, pois pretende alavancar o contexto de desenvolvimento regional, não se tornando apenas um enclave na Amazônia para beneficiar o restante do país.

Isso inclui analisar as demandas da população local, além da observação dos preceitos da Comissão Mundial de Barragens ('Barragens e Desenvolvimento: um novo modelo para tomada de decisões', 2000). Mas esse paradigma não se estabelece apenas pela vontade decisória, e sim por meio de estudos sérios, bem-executados e conduzidos com excelência e responsabilidade profissional, norteados por princípios éticos e comprometidos com a melhoria da qualidade de vida da população do país.

Paulo Fernando Vieira Souto Rezende é coordenador dos estudos do AHE Belo Monte na Eletrobrás Carlos Alberto de Moya Figueira Netto é gerente da Cnec Engenharia

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