Opinião

Caminhos para retomada da indústria de petróleo no Brasil

Não se pode negar que o setor tem potencial para uma rápida retomada do crescimento caso aproveite a parada técnica da crise para ajustar os fundamentos econômicos, políticos e regulatórios

Por Redação

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O setor petróleo no Brasil foi um dos principais pilares do crescimento econômico brasileiro nos últimos dez anos. O investimento do setor nacional aumentou de um patamar de cerca US$ 10 bilhões em 2003 para cerca de US$ 50 bilhões em 2013. No bojo desse espantoso crescimento dos investimentos estão as grandes descobertas de petróleo da província do Pré-Sal. Apesar dessas descobertas, os investimentos no setor petrolífero vêm caindo desde 2013 e em 2015 deverão atingir apenas a metade do valor de 2013.

O processo de crise no setor petrolífero nacional iniciou-se com a quebra da OGX em 2012, que teve como consequência o fechamento do mercado de capitais para as empresas independentes nacionais. Sem acesso a fundos de private equity, o jovem segmento de empresas independentes brasileiras perdeu o fôlego para manter o investimento. Após a crise das empresas independentes, foi a vez de a Petrobras entrar em crise. Essa crise aconteceu inicialmente em função da sua incapacidade de gerar caixa suficiente para manter o nível de investimentos no patamar de US$ 40 bilhões. O rápido crescimento do endividamento, seguido dos escândalos de corrupção e da queda dos preços do petróleo no final de 2014 levaram à lona a principal empresa do setor de petróleo nacional.

A crise do setor petrolífero nacional é séria. Entretanto, não se pode negar que o setor tem potencial para uma rápida retomada do crescimento caso aproveite a parada técnica da crise para ajustar os fundamentos econômicos, políticos e regulatórios do setor, bem como as estratégias das empresas. A retomada do crescimento do setor dever partir do reconhecimento de que o ambiente do mercado de petróleo internacional e nacional não será o mesmo de antes da crise.

A retomada do crescimento do setor petrolífero nacional requer necessariamente a recuperação dos investimentos no setor. Na configuração atual do setor petrolífero nacional, a Petrobras é responsável por cerca de 70% dos investimentos. As empresas privadas nacionais e internacionais têm sido responsáveispor cerca de 30% desses investimentos. Assim, o aumento dos investimentos do setor passa necessariamente pela recuperação da saúde financeira da Petrobras. Para isto, será fundamental uma discussão sobre o papel da Petrobras no setor energético nacional, de modo a que se possa definir claramente uma estratégia de crescimento da empresa.

O governo e Petrobras terão que buscar uma nova visão de futuro. Essa discussão deve levar em conta que a Petrobras é a companhia petrolífera de capital aberto que detém o maior volume de petróleo descoberto no mundo. É importante reconhecer que a empresa não tem condições de sustentar uma agenda de investimento que abarque todos os segmentos de negócios em que está envolvida atualmente. O processo de recuperação da Petrobras exige o foco na monetização dos recursos do pré-sal. Com poços apresentando uma produtividade entre 10 mil e até 40 mil barris diários, o pré-sal é um ótimo negócio para a Petrobras.

Mas a retomada do setor de petróleo não depende apenas da Petrobras. Depende também das empresas privadas que atuam no setor. O investimento das empresas privadas terá um papel cada vez maior no setor petrolífero nacional.

Sem dúvida existe um espaço enorme para melhorar o ambiente de negócios do setor petrolífero brasileiro. Desde 2008 o governo concentrou sua energia em aprovar e implementar o marco regulatório do pré-sal. Nesse período, não houve espaço político para discutir outros desafios regulatórios para investir no setor. Várias barreiras identificadas não foram debatidas de forma aberta e transparente pelo governo, que, nos últimos anos, considerou algumas questões como cláusulas pétreas. Não estavam em discussão. Com isto os problemas se acumularam. As questões que precisam ser debatidas e aprimoradas urgentemente são: a cláusula de operadora única; a política de conteúdo local; a previsibilidade das rodadas de licitação; a política de preços dos derivados praticada pela Petrobras; e as barreiras existentes em relação à comercialização do gás natural no Brasil.

A Cláusula de Operadora Única representa uma barreira para atração de investimentos privados no Brasil. Esta cláusula restringe a velocidade do desenvolvimento do pré-sal à capacidade de investimento da Petrobras. Num contexto em que a Petrobras já tem no seu portfólio mais óleo e gás do que consegue desenvolver em seu horizonte de investimento, o país estará escolhendo desacelerar o crescimento do setor petrolífero nacional se optar por manter a regra de operadora única. Num contexto de crise em que precisamos retomar os investimentos, não faz mais sentido nem para a Petrobras nem para o Brasil a cláusula de operadora única no pré-sal.

É importante considerar que a área do pré-sal não tem apenas reservatórios gigantes, com enorme produtividade. Existem áreas em que a Petrobras não se interessaria nem se tivesse recursos para investir. Entretanto, com a atual cláusula de operadora única no pré-sal, a Petrobras é obrigada a operar qualquer tipo de campo que venha a ser descoberto. Por estas razões é importante revisitar a questão da operadora única de forma objetiva e pragmática. Não devemos ver esta questão como uma cláusula pétrea.

A política de conteúdo local adotada nos últimos dez anos cumpriu um papel importante para estruturar uma indústria parapetrolífera no Brasil. Esta política criou incentivos para substituição de importações no setor. Entretanto, ao se basear sobretudo na obrigatoriedade de compras no Brasil, criou uma proteção à indústria de fornecedores que permite cobrar preços significativamente mais elevados pelos bens e serviços produzidos no país. Esse custo elevado do conteúdo local é uma barreira importante para a retomada dos investimentos no Brasil.

Além do problema de competitividade dos bens e serviços nacionais, a política de conteúdo local apresenta um custo regulatório muito elevado para as empresas e o governo. Dessa forma, é fundamental buscar novas diretrizes e instrumentos para a política de conteúdo local. Esse aprimoramento deve significar uma sofisticação da política no sentido de viabilizar o desenvolvimento de um setor de bens e serviços competitivo e inovador.

A previsibilidade das rodadas de licitações é outro ponto importante para atrair investimento privado. É importante reduzir o elevado grau de incerteza sobre o calendário e as áreas que serão oferecidas em licitação. A participação em uma rodada de licitação exige estudos prévios e planejamento por parte das empresas, e a falta de regularidade na realização das rodadas no Brasil dificulta o planejamento dos investimentos na exploração por parte dos potenciais investidores. É importante considerar que o Brasil compete com outros países para investimentos na E&P, e as empresas que planejam participar em processos de licitação em outros países podem não estar preparadas para as licitações aqui quando o governo decide realizar uma rodada. É preciso que haja um calendário predefinido plurianual de leilões, já informando, de maneira geral, as oportunidades que serão oferecidas, por exemplo, áreas offshore e/ou onshore, bacias maduras e/ou de fronteiras.

A questão da política de preços de derivados no Brasil é outro ponto fundamental para destravar investimentos, em particular no segmento do refino. O controle indireto do governo sobre os preços dos derivados praticados pela Petrobras inviabiliza a participação privada no segmento do refino. Por esta razão a Petrobras é proprietária praticamente de todo o parque de refino e é a única responsável pelo suprimento de derivados no país. Apesar do enorme esforço de investimento da Petrobras no segmento do refino, à custa do endividamento da empresa, o Brasil continua dependente de importações de derivados. Temos ainda refinarias com obras inacabadas e projetos abandonados pela Petrobras. A atração de capital privado para complementar o investimento privado no refino depende de uma discussão sobre a atual política de preços de combustíveis no país.

Por fim, é fundamental aproveitar a venda de ativos da Petrobras no setor de gás para criar um novo ambiente de negócios capaz de atrair investimentos privados no setor. Para isto, será necessária uma revisão do marco regulatório do setor, de modo a tornar viável que produtores e importadores independentes tenha acesso ao mercado final de gás. O controle atual de praticamente toda a infraestrutura de transporte por parte da Petrobras representou uma barreira para que novos produtores venham a comercializar sua produção de gás natural. Por esta razão, quase todas as empresas que produzem gás no Brasil vendem sua produção de gás à Petrobras. Para atrair investimento privado para produção de gás natural no Brasil, é fundamental mudar a atual estrutura da indústria, reduzindo as barreiras para o acesso ao mercado por parte de novos produtores.

A agenda de mudanças da política e regulação petrolífera é complexa e politicamente sensível. Mas trata-se de uma agenda possível e que está ao alcance da vontade política. Sem encarar esta agenda, o Brasil estará perdendo uma oportunidade preciosa de acelerar a retomada do seu processo de crescimento econômico e desenvolvimento. Apesar das turbulências internacionais, o setor de petróleo ainda é o que tem maior potencial de crescimento em função da sua enorme dotação de recursos naturais, humanos e empresariais.

Edmar de Almeida é bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Economia Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutor em Economia Aplicada pelo Institut d’Economie et de Politique de l’Energie – IEPE – da Universidade Pierre Mendes-France, França; Professor Adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Economia de Energia do IE/UFRJ

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