Opinião

Cessão onerosa e reservas. Bom para quem?

A coluna bimestral de Wagner Freire

Por Redação

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O processo de cessão onerosa/capitalização da Petrobras teve um subproduto importante: a avaliação do volume e do valor presente líquido (VPL) de petróleo e gás de campos e blocos em áreas do cluster do pré-sal da Bacia de Santos, procedidos pela Gaffney, Cline & Associates (GCA), para a ANP, e pela DeGolyer and MacNaughton (DGM), para a Petrobras, que lastrearam o contrato celebrado entre a União e a petroleira.
A GCA procedeu à avaliação dos seis blocos concedidos à Petrobras, mas também de outros blocos que, aparentemente, estiveram em consideração para inclusão no contrato, apresentando, inclusive, mapas sísmicos e tecendo considerações genéricas sobre o potencial do pré-sal. Assim, fica-se sabendo que o prospecto de Júpiter tem volume recuperável de 1,25 bilhão de BOE, predominantemente de petróleo (89%), mas com 30% fora da área de concessão. Mas, de certo modo surpreendente, trata-se de óleo pesado, de 18º API, e o gás tem 79% de CO2, situações jamais informadas pelos concessionários. Iara, com baixa qualidade dos dados sísmicos e parâmetros de reservatório menos atraentes, tem potencial de reservas bem menores que os estimados anteriormente, que passaram de 3 bilhões a 4 bilhões de BOE para 2,45 bilhões de BOE, dos quais 37% fora do bloco (daí a escolha do bloco “Entorno Iara” para cessão onerosa). Tupi, com um poço seco no meio do bloco, tem volumes recuperáveis de 2,6 bilhões de BOE, bem diferente dos 5 bilhões a 8 bilhões de BOE que vêm sendo anunciados. O conjunto Tupi/Iara/Guará, com estimativas repetidamente divulgadas pelos concessionários de volumes de 9,1 bilhões a 14 bilhões de BOE, teria esses volumes reduzidos para algo da ordem de 6,2 bilhões de BOE.
A análise volumétrica e o fluxo de caixa dos consultores (com taxas de desconto de 10%) apresentam resultados bastante discrepantes para o VPL de cada bloco, decorrentes sobretudo das estimativas de volume e de valores atribuídos a Capex e Opex. O governo, com critérios não explicitados, chegou ao valor total do VPL para os seis blocos concedidos de US$ 42,53 bilhões (R$ 74,8 bilhões) e valor médio de US$ 8,51 para fechar os 5 bilhões de barris pela cessão dos seis blocos, cabendo acrescentar que a Petrobras já pagou, à vista, em 30 de setembro, R$ 6,99 bilhões, e o restante em letras do Tesouro.
Nos quatro primeiros anos do contrato, a Petrobras terá de realizar um programa exploratório obrigatório, consistindo de sísmica 3D, poços exploratórios e testes de longa duração, ao fim do qual deverá proceder, em caso de sucesso, à declaração de comercialidade dos campos que vier a descobrir e partir para o programa de desenvolvimento.
Os preços pagos pela Petrobras, baseados em taxa interna de retorno (TIR) de 8,83%, fogem aos padrões usuais da indústria na avaliação de projetos sujeitos a risco exploratório, situação que se contrapõe a taxas que a própria empresa vinha praticando para seus variados investimentos no plano quinquenal, de 14%. O petróleo produzido estará sujeito a royalties de 10%, mas, estranhamente, não pagará Participação Especial, com graves prejuízos para estados e municípios. Por outro lado, a Petrobras não poderá contar com os parceiros, que a ajudariam a pagar as contas, e com quem trocaria ideias para condução dos programas com maior eficiência. Nem tampouco poderá utilizar a prática usual na indústria, de transações de compra e venda de interesses. Seus programas correntes de E&P, inclusive no pré-sal, passam a competir com o novo programa obrigatório da cessão onerosa, sem nenhuma possibilidade de permuta de prioridades pela empresa, ainda que tudo indique que os programas anteriores apresentem melhor atratividade.
Numa digressão importante nas conclusões de seu relatório, a GCA observa: “No contexto de escala, em comparação com um grupo de descobertas muito grandes nos últimos anos, como Thunder Horse (~1 Bbbl) em águas profundas do Golfo do México, Marlim (~2 Bbbl) e Roncador (~3Bbbl) em águas profundas da Bacia de Campos e Kashagan (~4-13 Bbbl) em águas rasas da Bacia do Cáspio, as descobertas no play do pré-sal são da ordem de todas essas combinadas, ou seja, cerca de 15-20 Bbbl.”
As reservas (provadas) brasileiras de petróleo e gás em 31 de dezembro de 2009 eram de 15,2 bilhões de BOE. Consumimos por ano quase 1 bilhão de BOE. Quando o petróleo e o gás descobertos no pré-sal (e outras descobertas não associadas ao pré-sal) serão incorporados às nossas reservas? E em que volume? Quando passarão a contribuir com produção expressiva?
Onde estão os 50 bilhões, 100 bilhões ou até mais bilhões de barris de petróleo e de gás do pré-sal que irão transformar o Brasil num Cazaquistão (51 bilhões de BOE), num Kuwait (113 bilhões de BOE) ou até numa Arábia Saudita (314 bilhões de BOE)? Afinal de contas, por que o governo criou toda essa confusão na tentativa de introduzir um novo marco regulatório, suspendendo o programa regular de exploração de avaliação do potencial do país, que vinha sendo conduzido regularmente?

A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses

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