Opinião
Construindo o conteúdo local para o mercado internacional
Por Francisco Itzaina, presidente da Rolls-Royce na América do Sul
O Brasil vive um momento especial na indústria de óleo e gás, com projeções de investimentos da ordem de US$ 400 bilhões nos próximos dez anos, segundo estudo encabeçado pela Onip. O mesmo estudo alerta para o fato de o país ter nas mãos uma oportunidade única de potencializar os benefícios a serem gerados pelo expressivo volume de encomendas que serão demandadas pelos projetos do pré e pós-sal. Entre os desafios, destaca-se o conteúdo local.
O Sistema de Certificação de Conteúdo Local (SCCL), da ANP, tem como objetivo elevar a participação da indústria nacional de bens e serviços na cadeia de fornecedores de óleo e gás em bases competitivas. O mecanismo visa a estimular o crescimento de segmentos da indústria brasileira com vistas ao desenvolvimento tecnológico do país, à capacitação de recursos humanos locais e à geração de emprego e renda.
A cláusula de CL obriga operadores a adquirir um percentual de bens e serviços de fornecedores brasileiros, 65% na média para o offshore. Contudo, segundo o estudo da Onip, o percentual efetivo encontra-se bem abaixo, entre 30% e 35%. Várias são as causas, sobretudo decorrentes de fatores estruturais, como elevada carga tributária, baixa qualificação de mão de obra e da cadeia produtiva, alto custo da matéria-prima local, reduzida economia de escala.
Esse obstáculo, porém, pode ser superado. O mecanismo de conteúdo local pode ser aperfeiçoado com a introdução de um sistema de créditos atrelados a exportações. Assim, em projetos especiais previamente aprovados, as empresas estrangeiras que incorporarem fornecedores brasileiros às suas cadeias globais, investindo em formação e transferência de tecnologia de modo a poder exportar bens e serviços para suas unidades mundo afora, teriam esse esforço reconhecido na forma de créditos para alcançar o percentual de conteúdo local estabelecido. Essa alternativa eleva a qualidade e o nível da indústria local, tornando-a mais eficiente, competitiva e capacitada para buscar mercados internacionais.
Que fique claro que a proposta não é reduzir os percentuais de conteúdo local, mas sim permitir um sistema de créditos que possibilite atingi-los, desde que a empresa faça um esforço compensador para aumentar a produção nacional. Assim, quando a companhia é obrigada a comprar 65% de fornecedores locais para uso no país, ela teria a opção de comprar apenas 20% para uso no Brasil e gerar os 45% restantes através da exportação para incorporação na sua cadeia global de suprimentos.
Dessa forma, as exportações irão gerar um volume bem maior do que o necessário para suprir o mercado local, dando aos fornecedores brasileiros economias de escala, com resultados benéficos para o setor como um todo. Afinal, atualmente apenas 24% das empresas brasileiras de óleo e gás são exportadoras.
Essa alternativa reduz os custos do conteúdo local, devido ao alcance de uma maior massa crítica, da aceleração das curvas de aprendizagem da indústria local e da garantia de maior escala de produção. A proposta viabiliza a aquisição dos componentes no segundo elo da cadeia sem que haja repasse para os custos locais do risco de contratar uma empresa sem o mesmo nível de competitividade internacional.
Formar-se-ia, então, uma cadeia de fornecedores locais preparada para enfrentar desafios globais, criando centros de excelência e eliminando empresas ineficientes. Assim, haverá uma inserção mais rápida e eficaz dos bons fornecedores na cadeia de abastecimento global de importantes multinacionais.
No entanto, para isso ocorrer são necessários um sistema para aprovação de projetos especiais de conteúdo local (produção para exportação, transferência de tecnologia, formação); concessão e gestão do sistema de créditos de CL concedidos às empresas com projetos especiais pré-aprovados, para abatimento dos percentuais definidos nos contratos com os operadores de blocos; definição de multiplicadores para a concessão de créditos; e auditoria por entidades independentes.
Não há dúvida de que o SCCL pode ser aperfeiçoado, quebrando barreiras, trazendo benefícios para todos os elos da cadeia e contribuindo significativamente para uma maior inserção do Brasil na arena mundial. Está nas mãos dos brasileiros agarrar essa oportunidade.
Francisco Itzaina é presidente da Rolls-Royce na América do Sul