Opinião

Conteúdo local e modelos de contratação

A coluna bimestral de Armando Cavanha Filho

Por Redação

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Nos anos 1980, o Brasil viveu uma época chamada “nacionalização”, que contou com diferentes esforços na produção brasileira de bens para as atividades de petróleo locais. Aceitava-se até pagar um pouco mais por um equipamento aqui construído. Isso fez nascer inúmeras plantas fabris no país, gerou conhecimento e empregos, embora nem todas as ações foram essenciais e duradouras.

No início dos anos 90 houve uma ruptura de conceito. A tese, à época, era de que apenas o mercado aberto e a competição pura resolveriam quem e onde produziria cada recurso demandado. De todo o esforço anterior restaram poucos sobreviventes, e nem todos com fôlego para enfrentar escala e tecnologias dos fabricantes internacionais.

Nos últimos anos foi concebido um novo esforço de nacionalidade, com a denominação “conteúdo local”. A ANP define valores mínimos para as operadoras nas fases exploratória e de desenvolvimento da produção, e esses índices fazem parte das concessões de óleo e gás. Tais percentuais mínimos de fabricação em solo nacional são repassados ao mercado fornecedor. Os provedores de primeiro contato desdobram as exigências aos seus subfornecedores de partes, peças, componentes, serviços, todos buscando alternativas nacionais, calculando e exercitando as aproximações sucessivas de custos, percentuais, multas e tempos.

É certo que a definição de percentuais mínimos permite indicar a direção, mas não contém todos os ingredientes necessários para a geração local sustentada e a retenção de capacidades e competências no país. A qualquer mudança política ou do humor de gestores, todos os planos e investimentos podem ser ameaçados.
O próximo passo seria transformar essa imposição de percentuais em atrativo econômico. Alguns mecanismos poderiam colaborar para isso:

Ampliar a execução de compras pelo custo total (incluindo projetos, logística, estoques, manutenção, documentação, energia, viagens, etc.), em vez de apenas pelo preço nominal, o que explicita custos estrangeiros normalmente não considerados;

Desonerar seletivamente cadeias de suprimentos locais, por redução de impostos à montante;

Incentivar a padronização regional de especificação para tecnologias dominadas;

Promover a pesquisa operacional objetiva e focalizada sobre lacunas industriais, com decorrente capacitação antecipada;

Incrementar os mecanismos de exportação, para aumentar escala e reduzir custos unitários;

Ampliar a contratação direta de fornecedores desenvolvidos localmente: “se desenvolvê-los, contrate; se não contratá-los, não vale a pena desenvolvê-los”;

Contratar com base em demandas decenais de categorias selecionadas, reduzindo o número de licitações e de leilões e aumentando escolhas parceiras;

Privilegiar o controle completo do processo – da matéria prima ao produto aplicado – para categorias selecionadas, sob o conceito da “soberania da categoria”;
Utilizar cálculos rastreáveis e memória de cálculo explícitas, a fim de entender cada parcela de custo e origem, para pelo menos 20% da quantidade de bens e serviços relevantes (80% do valor).

Eis o desafio: discutir o tema de forma organizada, com tempo determinado para sua conclusão. Entenda-se “conclusão” como plano de ação, metas e responsáveis. Compromissos. Precisamos desfazer a percepção de que no Brasil gostamos muito de diagnósticos, mas por vezes não implantamos o que foi discutido e combinado.

Evoluir da imposição de números para a atração econômica traria menos verificações, auditorias, certificações. Menos preocupações em cumprir percentuais e mais energia para elaborar e construir. Reduziria o apetite de operadores e fornecedores por contornar exigências e desmotivaria a “indústria da multa”. Poderia ser parte de uma política industrial setorial, com uma visão prática, estável, para 20 ou 30 anos, dando substância aos vultosos e prolongados investimentos em óleo e gás que virão para o país.

Seria um programa de Estado, não de um ou outro governo, partidos, grupos, entidades. Teria de permear o pensamento brasileiro, estimular o orgulho, a percepção de que é possível. O Brasil e os brasileiros poderiam descobrir que comprar ao máximo bens e serviços feitos integralmente no país, exigindo qualidade e sustentação ambiental, faria crescer a região sem a necessidade de artifícios ou favores. E isso criaria uma corrente natural de desenvolvimento social.

A coluna de Armando Cavanha Filho é publicada a cada dois meses

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