Opinião
Conteúdo local – Esforços em vão?
É salutar a mudança de postura do Executivo, que tirou o aspecto dogmático da PCL ao editar o Decreto 8.637/16
Os incentivos aos fornecedores de bens e serviços para a indústria brasileira de Óleo e Gás, genericamente conhecidos como Política de Conteúdo Local (PCL), ganharam destaque nos últimos anos. Essas políticas tiveram seu auge com as grandes descobertas do pré-sal e a expectativa de um boom de dispêndios no setor. Uns diziam que a política poderia dar o tão sonhado ganho de competitividade à indústria local; outros afirmavam que o protecionismo sairia caro ao país e o ônus recairia principalmente sobre a Petrobras – uma empresa de capital misto. Diante do tsunami que afetou a indústria global, e sobretudo a Petrobras, o clamor imediato é pela eliminação pura e simples das iniciativas de conteúdo local. A realidade parece mostrar que a política ficou “caduca”, evidenciando o descompasso entre objetivos e as circunstâncias em que as regras foram desenhadas. Mas é realmente o caso de descartar os esforços realizados? Já há condições para um julgamento definitivo de baixos benefícios alcançados em relação aos altos custos incorridos?
Nossa contribuição pode ser acessada no artigo “Mudar é preciso – Revisitando o conteúdo local para a indústria de O&G”, que defende a necessidade de urgente transformação nas regras atuais. Não obstante a devida consideração dos aspectos formais e legais, a situação de crise é ideal para uma adequada reflexão e definição de diretrizes para os novos contornos do desenvolvimento de uma cadeia produtiva competitiva para o setor.
A primeira delas é que os problemas devem ser resolvidos de forma holística. É necessário que os dilemas na revisão da política de conteúdo local sejam resolvidos entre todos os formuladores das diretrizes, os reguladores, as empresas operadoras e a cadeia produtiva. Um exemplo envolve o incentivo aos operadores para gerenciamento de seu suprimento local, favorecendo soluções de engenharia com maior aderência às competências da cadeia produtiva estabelecida no país. Em contrapartida, estímulos específicos para que fornecedores busquem alianças globais e sejam recompensados por inovações implantadas beneficiariam os empreendedores na direção de uma atuação crescente na cadeia global.
Evidentemente, soluções de compromisso serão necessárias, em especial com vistas a destravar investimentos futuros. Daí a necessidade de articulação de um novo compromisso, que leve em conta a efetividade de políticas aplicadas à competitividade da cadeia de suprimentos de O&G. Alternativas de fornecimento local em condições atrativas sempre serão saudadas positivamente pelos operadores, sobretudo quando se vislumbram cenários com maior incerteza macroeconômica.
A segunda diretriz é que a PCL é parte inerente de uma agenda mais abrangente do setor. Para que seu desenho tenha sucesso efetivo, é preciso que premissas quanto ao ritmo de realização de leilões, a rediscussão do modelo de operador único e a efetivação de política industrial de clusters produtivos façam parte desta agenda. Seja no aspecto macro, da diversidade de agentes e da concentração de áreas de excelência, a efetividade das políticas é extremamente dependente da consistência dos investimentos da indústria.
A terceira diretriz é buscar maior inteligência das políticas. Para tanto, aspectos como segmentação dos compromissos de acordo com critérios como risco, perspectiva de inovação e valor agregado deveriam limitar o lado determinístico das regras de conteúdo local. Ao mesmo tempo, a conjugação de mecanismos de incentivos e da possibilidade do uso de waivers deveriam ser alavancas predominantes, em vez da exclusividade da ferramenta punitiva.
Neste sentido, é salutar a mudança de postura do Executivo, que tirou o aspecto dogmático da PCL ao editar o Decreto 8.637/16, que modifica o conceito da política ao estabelecer crédito relativo ao investimento para atendimento aos requisitos de conteúdo local. É uma luz no fim do túnel, que pode significar o início de tão necessárias mudanças em direção a uma reabertura do setor de petróleo no país.
Arthur Ramos é sócio da PwC Strategy&, especialista no setor de energia. Atua na definição de estratégias e projetos de reestruturação de empresas da cadeia produtiva de óleo e gás diante de ambientes regulatórios e políticas públicas em constante evolução