Opinião

A crise da Petrobras e o que fazer em 2015

A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses

Por Redação

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Ao assumir a presidência da Petrobras em 1954, uma das primeiras providências tomadas por Juracy Magalhães para elaboração do plano de organização da companhia foi a designação de um advogado do Conselho Nacional do Petróleo – CNP, Helio Beltrão, para entrar em contato com os administradores das grandes companhias de petróleo dos EUA  e estudar a sua organização. Uma de suas recomendações básicas, num bem elaborado relatório, foi a estruturação da companhia em subsidiárias, uma delas dedicada a exploração/produção (E&P) e outra a refino, embora reconhecesse que essa divisão pudesse evoluir num segundo estágio, com a consolidação da companhia. Lamentavelmente, ao longo do tempo, embora a Petrobras tenha criado inúmeras subsidiárias, as de up- e downstream, jamais foram materializadas. Estamos fazendo essa referência em um paralelo com a organização atual da empresa, que tem diretorias ligadas a essas duas principais linhas de negócio, no mesmo nível de outras diretorias, com atribuições eminentemente complementares de contratações de serviços, aquisição de equipamentos e construções/fabricações de grande porte para atender as duas áreas principais, mas sem qualquer responsabilidade pelos resultados de sua atuação. Nesta estrutura ineficiente reside uma boa parte das origens dos descalabros que a empresa vem enfrentando.

O outro ingrediente que facilitou os desvios foi a decisão do governo Lula de mudar o modelo regulatório, justificando-se nas descobertas de reservas importantes de petróleo no chamado pré-sal, a partir de 2006, feitas pela Petrobras e outras empresas em blocos da segunda rodada de licitações da ANP, concedidos em junho de 2000. O governo, com aval do Congresso, ignorando disposições constitucionais e os riscos geológicos associado a essas atividades, fez concessões diretas à Petrobras de sete blocos do pré-sal, a sua escolha, que possibilitaria a produção de até 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo. Foi a chamada Cessão Onerosa. Além disso, mudou-se o modelo de concessões estabelecido pela Lei 9478/97, a Lei do Petróleo, para introdução de um modelo de Partilha da Produção, com a característica inusitada da exclusividade, numa grande área de 149 mil km², cobrindo a Bacia de Campos e Santos, onde se concentra 90% da produção brasileira de petróleo. Entre as peculiaridades desse modelo, destacamos a obrigatoriedade da participação da Petrobras como operadora única e com o mínimo de 30% em todos os blocos, eventualmente objeto de licitação, mesmo que a companhia, por razões técnicas e econômicas considere a participação em alguns desses blocos não recomendável.

Essas mudanças e obrigações liquidaram com um dos ingredientes mais importantes da indústria, o processo competitivo, de algum modo reestabelecendo o monopólio da Petrobras, criando um monopsônio – consumidor único de serviços e equipamentos –, no fundo, ingredientes que favorecem a ineficiência e o processo de corrupção.
Essas medidas aumentaram de forma expressiva a necessidade de investimentos da Petrobras, em uma forma incompatível com a geração de recursos de suas atividades empresariais e de sua capacidade de gerenciamento e, de novo, favoreceram o surgimento de processos de corrupção.

Para se ter uma ideia dessa situação, basta ver que nos quatro anos, de 2010 a 2013, a companhia investiu entre 43 a 48 bilhões de dólares por ano, embora tenha gerado receitas líquidas de apenas 120 a 146 bilhões de dólares por ano, obrigando a Petrobras a aumentar acentuadamente sua dívida líquida. A razão da dívida líquida em relação a divida líquida mais patrimônio líquido, um importante indicador de desempenho, passou nesse período de 16% para 39%, e continua crescendo. Vale a pena comparar esse quadro com o que acontece com algumas majors, como Shell, ExxoMobil, BP. Essas companhias investiram em 2013, respectivamente, 40, 36 e 36 bilhões de dólares, mas tiveram receitas líquidas nesse ano de 460, 432 e 396 bilhões de dólares, respectivamente, consideravelmente maiores que as da Petrobras. Não é a toa que elas têm valor de mercado, referida a 31 de março deste ano, de 239, 422 e 148 bilhões de dólares. Na mesma ocasião o valor de mercado da Petrobras era de 88 bilhões de dólares. Claro, depois de divulgação dos eventos de corrupção envolvendo a companhia, esse valor já está abaixo de 50 bilhões.

A crise da Petrobras, agora impactada pela queda do valor de mercado do Brent, que passou de 111,80 US$/b em junho deste ano para 79,44 US$/b em novembro, com tendência a situar-se próximo aos 60 dólares por barril em dezembro, é um ingrediente a mais que dificulta o gerenciamento dessa complexa situação da companhia, cujo aumento de produção não compensa o aumento de receitas, face à acentuada queda de cotação do Brent. É pouco provável que a cotação volte aos patamares anteriores.

A situação da Petrobras é de suma gravidade, cabendo imediatas providências para recuperar esse patrimônio do País. O reparo dessa situação passa: (i) pela punição das pessoas/entidades envolvidas no processo de corrupção; (ii) reestruturação da companhia, com ênfase nas boas práticas de gestão corporativa e a não intervenção do controlador fora dessas disposições, com a escolha/designação para funções de direção e da alta administração baseada exclusivamente na competência técnica-gerencial e não por indicações políticas; (iii) retorno ao processo competitivo da indústria, pela  revogação da modalidade de partilha da produção da Lei 12.351/2010 e reestabelecimento dos contratos de concessão em todas bacias sedimentares – com eventual revisão do decreto que regulamenta a Participação Especial; (iv) permissão à Petrobras, a seu critério, de venda de parte de seus interesses e até a transferência da condição de operadora nos contratos de Cessão Onerosa, pela alteração da Lei 12.304/2010, que instituiu esse tipo de contrato; e (v) pela suspensão da 13ª Rodada, prevista para meados de 2015, até que essas questões sejam superadas.

A Petrobras já perdeu muito tempo, dinheiro e prestígio em aventuras a beira do precipício. O preço do barril já despencou, não podemos deixar a Petrobras ir atrás.

A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses
E-mail: freire.wagner@hotmail.com

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