Opinião
A desintegração da Petrobras
A existência da Petrobras deve ter como base o interesse público, não os interesses do mercado
A criação da Petrobras como executora do monopólio estatal a partir de 1953, com a aprovação da Lei 2004, representa o principal marco do setor petrolífero nacional. O período de monopólio foi uma fase marcante na história do país pelo fato de a Petrobras ter nascido do debate democrático, atendendo aos anseios da sociedade brasileira.
Nesse período, a Petrobras foi implantada, expandida, integrada e verticalizada “do poço ao posto”, com grande sucesso. Até o início da década de 1980, apesar de ter uma produção de petróleo abaixo da sua demanda, o Brasil se orgulhava de ter uma capacidade de refino superior às necessidades do país. Foi construído o parque brasileiro de refino, constituído de 14 refinarias, sendo 12 pertencentes à Petrobras. Além disso, foram feitos grandes investimentos em petroquímica, fertilizantes, gasodutos, oleodutos e terminais.
Desde a sua criação, a história da Petrobras foi marcada por dificuldades, mas também por perseverança e sucesso. Ao iniciar suas atividades, a empresa dependia, quase que exclusivamente, da importação de materiais, equipamentos, serviços e recursos humanos especializados. No entanto, essas dificuldades serviriam como desafio.
A Petrobras acabou sendo polo indutor da formação de mão de obra qualificada e de desenvolvimento de produtos e serviços no território nacional, tornando-se, dessa maneira, verdadeiro epicentro de progresso tecnológico e produtivo no Brasil. A indústria petrolífera brasileira acabou sendo grande impulsora de um projeto de desenvolvimento nacional que tinha como elemento central as políticas setoriais de substituição de importações e o enfrentamento à industrialização tardia do país.
Constitucionalmente, a Petrobras manteve-se como executora do monopólio estatal do petróleo nas atividades de exploração, produção, refino, transporte e comércio exterior até a promulgação da Emenda Constitucional 9, de 1995, que alterou o art. 177 da Carta Magna, e da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997. A partir desse novo marco legal, a União passou a poder contratar outras empresas.
O fim do monopólio da Petrobras não representou o fim da estatal. O estabelecimento da concorrência a partir do regime de concessão não inibiu as atividades da integrada e competente estatal, construída ao longo do período do monopólio. Foi a competência técnica e operacional da Petrobras que levou à descoberta da província do Pré-Sal em 2006. O principal evento do setor petrolífero mundial das últimas décadas. A exploração e produção de petróleo em águas profundas talvez seja a única área na qual o Brasil detenha a liderança tecnológica mundial.
Com a descoberta do Pré-Sal, foi introduzido, em 2010, o regime de partilha de produção, nos termos da Lei 12.351, e criada uma nova empresa estatal denominada Pré-Sal Petróleo S.A. – PPSA. Essa empresa pública, criada por meio da Lei 12.304, de 2 de agosto de 2010, tem como principal objetivo gerir os contratos de partilha de produção.
Assim como 1953, o ano de 2016 pode ser considerado um novo marco histórico. Em setembro desse ano, foi apresentado o Plano de Negócios e Gestão – PNG 2017-2021. O primeiro plano sob a presidência de Pedro Parente.
Durante a divulgação do PNG 2017-2021, o Presidente da Petrobras foi enfático quanto à necessidade de reduzir a relação dívida líquida/Ebitda, chamada de alavancagem, de 5,3 para 2,5. Para obter essa redução, até 2018, prevê-se um grande corte nos investimentos, enormes amortizações e um questionável plano de desinvestimento.
O PNG 2017-2021 prevê que a Petrobras terá uma fonte de recursos de US$ 179 bilhões de 2017 a 2021, assim distribuída:
• geração de caixa operacional, após dividendos: US$ 158 bilhões;
• parcerias e desinvestimentos: US$ 19 bilhões;
• uso do caixa: US$ 2 bilhões.
Essa fonte de recursos terá os seguintes usos:
• investimentos: US$ 74 bilhões;
• amortizações: US$ 73 bilhões;
• despesas financeiras: US$ 35 bilhões.
As parcerias e desinvestimentos no total de US$ 19 bilhões representam a venda de ativos, alguns estratégicos para a Petrobras, em um momento em que os baixos preços do petróleo desvalorizam os ativos do setor.
A privatização da BR Distribuidora e da Nova Transportadora do Sudeste – NTS, além da venda de Carcará, significa abrir mão de ativos rentáveis e estratégicos para a Petrobras e o país.
Não há necessidade de vender esses e outros ativos. Em vez de gerar recursos de US$ 19 bilhões com vendas, esses recursos deveriam ser oriundos da redução das amortizações e despesas financeiras, que totalizam o injustificável valor de US$ 105 bilhões.
O total de amortizações e despesas financeiras deveria ser reduzido de US$ 105 bilhões para US$ 82 bilhões, sendo preservados os ativos da Petrobras, sobretudo aqueles considerados estratégicos.
O custo de rolagem da dívida de 8,6% ao ano decorrente dessa redução de US$ 19 bilhões nas amortizações e despesas financeiras, apesar de alto, é menor que a rentabilidade de ativos estratégicos como a BR Distribuidora e a NTS. Ativos esses que foram construídos com esforço e competência ao longo da história da Petrobras.
Não se tem notícia da venda de gasodutos e da perda do controle acionário de empresas distribuidoras de grandes grupos como a Shell, Total, BP e ExxonMobil. As distribuidoras são fundamentais para as petrolíferas mundiais, tanto do ponto de vista financeiro quanto estratégico. É a partir das distribuidoras que as empresas mostram sua marca ao público.
Também grande é a redução nos investimentos da Petrobras. O PNG 2017-2021 prevê investimentos de apenas US$ 74 bilhões. No período de 2010 a 2014, a Petrobras investiu US$ 209 bilhões. Ou seja, o investimento previsto no PNG 2017-2021 é quase três vezes menor que o ocorrido de 2010 a 2014. Os investimentos da Petrobras deveriam, de fato, ser reduzidos, mas não nessa proporção.
Além de baixos, o PNG 2017-2021 mostra uma concentração dos investimentos na área de exploração e produção. Dos US$ 74 bilhões a serem investidos, 82% serão destinados a essa área. Os investimentos em refino serão principalmente para continuidade operacional. Registre-se, ainda, que as áreas de petroquímica, energia elétrica, fertilizantes e biocombustíveis praticamente não existem no novo plano da Petrobras.
Registre-se que a ANP já previa um grande aumento na dependência de importações de combustíveis nos próximos anos. As importações totais do Brasil poderiam chegar, em 2025, a 1 milhão de barris de derivados por dia. O quadro de grande dependência de derivados importados se consolida com o PNG 2017-2021.
O novo plano da Petrobras indica uma visão financeira e de curto prazo, voltada para a criação de uma empresa de exploração e produção, com foco nas áreas já descobertas do Pré-Sal, e na privatização ou venda de participação de ativos estratégicos.
A própria “Petrobras do Pré-Sal” que está sendo gestada no PNG 2017-2021 também pode vir a ser privatizada, uma vez que a empresa já garantiu os direitos relativos às principais áreas do Pré-Sal e que os sistemas de produção já estarão instalados. Dessa forma, as extraordinárias jazidas do Pré-Sal e respectivas instalações podem ser, no futuro, transferidas para outras empresas.
A empresa estatal integrada, com participação estratégica em todo o território nacional, proprietária e operadora de oleodutos, gasodutos, terminais, refinarias, fábricas de fertilizantes, unidades petroquímicas, plantas de biocombustíveis e termelétricas está sob risco.
O novo plano da Petrobras não se mostra “estratégico” para o Brasil. Ele sinaliza o fim do principal projeto nacional, criado em 1953, por iniciativa do então Presidente Getúlio Vargas, que contou com o apoio de quase todas as correntes políticas e ideológicas.
A existência da Petrobras deve ter como base o interesse público, não os interesses do mercado. Se erros foram cometidos, eles devem ser corrigidos. Erros passados não devem servir de pretexto para a desintegração da Petrobras.
Funcionário da Petrobras por 17 anos, Paulo Cesar Ribeiro Lima é consultor legislativo da Câmara dos Deputados desde 2002.