Opinião
Dívida não se paga
A retomada dos investimentos da Petrobras é condição indispensável para a recuperação do setor petróleo
Lembro-me de uma frase atribuída ao então ministro Delfim Netto, na década de 70, que dizia algo parecido com “Dívida não se paga, se administra”. É sabido que o impacto do endividamento sobre pessoas, empresas e governos varia com o estoque da dívida, a sua distribuição no tempo e a forma de pagamento. Administrar uma dívida implica um esforço permanente no sentido de compatibilizar e otimizar esse conjunto de fatores, em benefício do devedor.
Nos últimos dez anos, as empresas do mercado de óleo e gás elevaram sobremaneira seus níveis de endividamento, incentivadas pela grande oferta de financiamento tendo como garantia as reservas de petróleo e as receitas futuras dos projetos de produção. A partir da descoberta do pré-sal, a Petrobras adotou uma estratégia de crescimento acelerado, sustentado por uma alavancagem fortemente atrelada à valoração do petróleo e do câmbio. A queda acentuada dos preços do petróleo, a partir de 2014, e a evolução desvantajosa do câmbio, desde então, conduziram a companhia às dificuldades financeiras que enfrenta hoje.
Se nada for feito, o total de pagamentos atingirá US$ 171,54 bilhões, uma média de US$ 24,5 bilhões/ano durante os próximos sete anos. É um comprometimento financeiro considerável e seu atendimento exigirá medidas saneadoras muito eficazes, visando reduzir o estoque da dívida, alongar os prazos de pagamento e diminuir o custo dos financiamentos. Essas medidas serão constituídas por ações de natureza financeira, nestas incluída a venda de ativos, e por ações de gestão corporativa e operacional, compreendendo a redefinição da estratégia de crescimento, a busca de maior eficiência operacional e a redução das despesas de capital, mediante a otimização dos projetos de investimento e a mudança do modelo de gerenciamento desses projetos.
Existe um verdadeiro arsenal de medidas de natureza financeira capazes de reduzir o impacto do endividamento sobre as atividades da Petrobras. No que concerne à alienação de ativos, tudo indica que será seletiva e cautelosa, para não comprometer o fluxo de caixa futuro e não afetar o grau de integração da companhia. O governo deverá orientar a empresa sobre a conveniência da entrega de parcelas do mercado interno a seus competidores, a ser avaliada do ponto de vista estratégico, e sobre a oportunidade da venda de certos ativos específicos, em face da queda dos preços do petróleo e da consequente depreciação do valor das instalações industriais do setor.
Além do desinvestimento, é possível relacionar, entre outras iniciativas exequíveis, (i) a renegociação com as instituições credoras, para alongamento e redução do custo das dívidas, (ii) a revisão dos contratos de fornecimento de bens e serviços, (iii) a conversão das dívidas com os bancos públicos em capital da Petrobras, (iv) a capitalização com recursos do Tesouro Nacional, por meio do BNDES, (v) a contratação de empréstimos no Novo Banco de Desenvolvimento – NBD, (vi) a venda futura de petróleo, (vii) o alongamento e/ou postergação de investimentos não estratégicos ou menos rentáveis e (viii) a renegociação dos prazos de exploração, avaliação e desenvolvimento com a ANP. A viabilidade, inclusive política, dessas medidas deverá ser objeto de avaliação pela empresa e pelo governo.
A Petrobras possui um peso enorme na economia brasileira. A maior empresa do país, a estatal responde por 13% do PIB nacional. Sua importância é tão grande para a atividade produtiva que, para cada R$ 1 por ela investido, outros R$ 3 são gerados no país. A retomada dos investimentos pela gigante brasileira é, pois, uma condição indispensável para a recuperação do setor de petróleo e para o crescimento da economia nacional. Isso só será possível, no entanto, se o equacionamento da dívida promover a restauração da saúde financeira da companhia. O mercado e a Nação contam com essa possibilidade.
Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção no Ministério de Minas e Energia e no Ministério do Planejamento, de 1992 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ