Opinião

Energia nuclear e os rejeitos radioativos

Por Redação

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A tecnologia nuclear para a geração de potência ressurgiu nos últimos anos em face das preocupações com as mudanças climáticas, com o crescimento da demanda energética e com o preço de geração associado a outras tecnologias. No Brasil, a instalação de reatores nucleares sempre foi um assunto controverso em relação aos aspectos econômicos e aos riscos e benefícios de sua expansão.

Vamos examinar estas questões.

A energia nuclear sempre se caracterizou por elevado custo de construção e baixos custos operacionais, quando comparada com outras energias fósseis. Os reatores nucleares comerciais, desenvolvidos a partir dos PWRs (reatores a água leve pressurizada) e BWRs (reatores a água leve fervente) da década de 1970, sofreram alterações simplificadoras, sem prejuízo dos aspectos de segurança, resultando em sistemas mais rápidos de serem instalados e com menor custo de construção.

Por outro lado, a enorme volatilidade dos preços do petróleo e do gás natural, com tendência de subida, leva ao aumento do custo operacional e a uma insegurança energética das usinas convencionais, tornando a energia nuclear uma opção economicamente competitiva. Convém lembrar que, em termos de segurança energética, o Brasil é, ainda, dependente do gás natural importado, mas possui enormes reservas de minério de urânio.

Do ponto de vista ambiental, basta lembrarmos que uma usina térmica a carvão de 1.300 MW, equivalente ao porte de Angra 2, liberaria para a atmosfera, anualmente, algo em torno de 2.000 t de material particulado, 12.000 t de compostos de enxofre, 6.000 t de NOx e nada menos que 8 milhões de t de CO2. Caso se tratasse de uma usina a gás natural, a liberação mínima de poluentes equivaleria à queima de 2 bilhões de m³ do combustível. Em contraponto, uma usina nuclear forneceria a mesma energia praticamente sem qualquer liberação de poluentes para a atmosfera.

Por fim, chegamos à questão do risco associado aos rejeitos radioativos dos reatores, objeto dos maiores temores e, também, dos maiores mitos associados à energia nuclear. O primeiro grande mito induz a população a imaginar que apenas a energia nuclear provoca uma preocupação econômica e social após a geração elétrica haver ocorrido, devido à necessidade de se ter que lidar com os rejeitos por longos períodos de tempo. Esta visão desqualifica, econômica e socialmente, o aumento da morbidade humana associada às liberações de resíduos para a atmosfera, mostradas antes, e os danos ambientais provocados pelo aquecimento global.

O carregamento anual de uma usina nuclear do porte de Angra 2 consiste na substituição de cerca de 11,5 t de combustível irradiado por igual massa de combustível novo. Ao ser descarregado, o combustível queimado é, de início, estocado em uma piscina localizada nas proximidades do prédio do reator, com o objetivo de sofrer um processo de "resfriamento", que corresponde ao decaimento dos produtos radioativos, resultante das fissões nucleares, que possuam meia vida curta.

Após esse período inicial, de alguns meses, o combustível pode ter dois destinos principais distintos. O primeiro consiste em ser armazenado em um depósito permanente, na forma em que se encontra. Considerando-se a alta densidade deste material, o volume a ser armazenado e monitorado por milhares de anos equivaleria a aproximadamente 1,5 m³ por ano, equivalente a uma típica caixa de água doméstica.

O segundo destino seria submetê-lo a um reprocessamento para a separação de seus componentes. Basicamente, são quatro grupos principais de componentes: o primeiro, e maior dos grupos (-94% do total), é formado pelas sobras de urânio do combustível; este grupo é seguido pelos produtos oriundos das fissões (-5%); o terceiro consiste no plutônio produzido por conversão do urânio (-1%); e, enfim, temos os actinídeos menores (-0,2%).

Ora, as sobras de urânio e o plutônio produzido possuem enorme valor de mercado para serem reutilizados como combustível nuclear, o que já vem sendo realizado na Europa e no Japão, de forma ambientalmente adequada, podendo se constituir em receita adicional ao processo de geração elétrica. Os rejeitos radioativos críticos são, pois, representados pelos produtos de fissão e pelos actinídeos menores. Para um reator semelhante ao de Angra 2, isto representa, aproximadamente, 600 kg de produtos de fissão e 25 kg de actinídeos menores por ano.

Embora ambos possuam meia vida longa, os produtos de fissão teriam um nível de atividade desprezível após alguns séculos, enquanto os actinídeos continuariam com elevada atividade mesmo após alguns milênios. O armazenamento e o monitoramento destes produtos, por milhares de anos, representam um ônus para as futuras gerações. Observem, contudo, que falamos em quilos de rejeitos, e não toneladas, sendo o volume deste material muito pequeno, mesmo considerando a operação de um grande número de reatores nucleares.

Sem dúvida, este ônus seria infinitamente menor que aquele de se gerar a mesma energia através de combustíveis fósseis. Apesar disso, ultimamente, muitos países, como EUA, Japão, Rússia e Coréia do Sul, além da Comunidade Européia, têm investido enormes somas de recursos em novas tecnologias, do tipo ADS (Accelerator Driven Systems), as quais, por meio de transmutações nucleares, poderiam incinerar os actinídeos, reduzindo dramaticamente o volume de rejeitos radioativos e o tempo necessário de armazenamento. Alguns protótipos de demonstração de ADS's já se encontram em fase de construção.

Os fatos apresentados aqui devem ser levados em consideração em qualquer discussão racional sobre o uso da energia nuclear, deixando-se de lado os mitos e preconceitos que vêm sendo alimentados, a muito tempo, pela desinformação.

Pedro Carajilescov e João Manoel Losada Moreira são da Universidade Federal do ABC (UFABC); Alfredo Yuuitiro Abe é da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben); e Eloi Fernández y Fernández é da PUC-Rio e diretor geral da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip)

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