Opinião
Entregando o ouro
Há a necessidade de maior atenção e maior empenho da administração na defesa do market share da Petrobras
A Petrobras divulgou os resultados do 2o trimestre de 2017, informando um expressivo aumento de 6% na produção de petróleo e gás e, ao mesmo tempo, uma redução de 7% nas vendas para o mercado interno. A empresa foi submetida a uma perda importante de market share e a um aumento da ociosidade de suas refinarias, por força da importação de derivados feita por agentes importadores concorrentes. Por outro lado, ocorreu um aumento de 48% na exportação de petróleo. O trade-off resultante foi prejudicial à empresa e ao País, como veremos a seguir.
Operar abaixo da capacidade agrega custo às refinarias e exportar petróleo cru impede o ganho de valor que poderia ser adicionado pelo parque de refino nacional. Esses resultados colocam em cheque a política de preços adotada pela administração da Petrobras, a qual se mostrou incapaz de manter as cotas de participação da empresa no mercado interno. Desde que a nova política de preços foi implantada, a receita da companhia tem sido continuamente reduzida, passando de R$ 71,3 bilhões, no segundo trimestre de 2016, para R$ 67 bilhões um ano depois.
Os números relativos às vendas do primeiro semestre deste ano mostram que o País vem trocando produtos nacionais por importados. Além dos impactos negativos na receita da estatal, essa troca eleva a remessa de dólares ao exterior, para importar um volume crescente de derivados. De acordo com dados da ANP, a importação aumentou 41,4% nos primeiros quatro meses de 2017 e atingiu 79 milhões de barris, o maior valor observado desde que os dados começaram a ser registrados, no ano 2000. Já a despesa em dólares cresceu 79,7%, totalizando US$ 4,3 bilhões no quadrimestre. Os dados da ANP mostram, também, que 20% do mercado brasileiro já é abastecido hoje por produtos importados, enquanto as refinarias da Petrobras operam com uma incrível ociosidade, da ordem de 25%.
Para uma gestão que declara dispor de liberdade total para fixar os preços de seus produtos, não deveria ser difícil defender suas cotas de participação no mercado. Outros setores da economia fazem isso, com inegável sucesso. A própria Petrobras sempre promoveu a otimização do seu parque de refino, mantendo um elevado fator de operação nas refinarias e importando apenas os volumes necessários para garantir o abastecimento nacional. Alguns analistas vêm com estranheza essa substituição de produtos nacionais por importados, argumentando que ela só se justificaria se houvesse prejuízo com o refino, o que, certamente, não é o caso. Já os sindicatos ligados à estatal acusam a empresa de favorecer a entrada de outros agentes no mercado brasileiro de combustíveis, a fim de atrair interessados para o programa de venda de ativos. Estaria, como se diz por aí, entregando o ouro aos concorrentes.
Apesar da perda de participação no mercado, as demonstrações financeiras do 2T-2017, assim como as consolidadas do 1S-2017, apontaram resultados positivos e robustos. O lucro líquido do 2T-2017 poderia ter sido muito maior, em torno de R$ 7,3 bilhões, mas, foi reduzido contabilmente pelos gastos, de uma só vez, com a adesão aos programas de Refis (R$ 6,2 bilhões) e por uma provisão para perdas com recebíveis referentes ao navio-sonda Vitória 10.000 (R$ 0,8 bilhão). Já o Ebitda ajustado no 1S-2017 foi de R$ 44,3 bilhões, um aumento de 6%, enquanto o Fluxo de Caixa Livre atingiu R$ 22,7 bilhões, elevação de 70%.
O endividamento líquido em dólares diminuiu 7%, fechando o semestre em US$ 89,2 bilhões, e o índice dívida líquida/LTM Ebitda ajustado foi reduzido de 3,54, em 31.12.2016, para 3,23 em 30.06.2017. Por fim, o índice de liquidez corrente, estimado em 1,8, mostrou uma situação financeira bastante confortável para o curto prazo.
Os resultados obtidos pela empresa no 1S-2017 confirmam a sua característica de forte geradora de caixa e indicam a conveniência de excluir, do plano de desinvestimento, a alienação dos ativos que estruturam o abastecimento do mercado interno, a principal receita da companhia. De resto, sugerem a necessidade de maior atenção e maior empenho da administração na defesa do market share da Petrobras.
Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ