Opinião
Estratégias empresariais em mercados competitivos não podem ficar ao sabor de manipulações políticas
As denúncias de malversação dos recursos da Petrobras precisam ser apuradas, e os responsáveis por irregularidades, punidos
A Venezuela tem uma das maiores reservas mundiais de petróleo, muito embora 61% delas sejam de petróleo superpesado, localizadas principalmente na Faixa do Orenoco. A produção e posterior refino desse óleo requerem tecnologias avançadas e dispendiosas, para aumento do fator de recuperação e obtenção de produtos dentro dos requisitos do mercado. A explotação desses recursos constitui-se um grande desafio.
A PDVSA, 100% estatal, tinha, nos anos 1990, uma expressiva participação na economia do país e elevado conceito entre as empresas de petróleo, pela excelência de seu quadro técnico-gerencial, consolidado ao longo de trabalhos conjuntos com as majors. Com a chegada de Hugo Chávez à presidência da Venezuela, em 1999, cedo ele promoveu mudanças na companhia, que passou a orientar seu orçamento para uma maior participação em programas sociais, ao tempo em que se introduziram alterações em taxas e sistemas de coleta de impostos, de modo a aumentar a participação do governo nas receitas de petróleo, em detrimento dos objetivos de E&P da companhia. Essas mudanças provocaram uma reação de seus empregados, que, em dezembro de 2002, promoveram uma greve por cerca de dois meses. Chávez dominou a situação, demitindo cerca de 20 mil empregados, incluindo praticamente todo o staff executivo da companhia. Seguiu-se, naturalmente, um franco declínio dos resultados da PDVSA. Em 2002, Chávez obteve do Congresso uma nova Lei do Petróleo, reforçando o papel do Estado nas atividades petrolíferas.
A Petrobras iniciou atividades na Venezuela em 2003, com a aquisição da argentina Pérez Companc. As concessões eram em quatro campos enquadrados, pela regulação, em Convênios Operacionais para campos maduros, com 100% de participação dos concessionários, e a Petrobras era a operadora. Mas, em 2006, o governo alterou a lei, transferindo as concessões e a operação para uma nova empresa, da qual a PDVSA detinha 60%, e os concessionários, 40%, sem praticamente nenhum papel no gerenciamento da atividade.
Nesse contexto, ocorreram as negociações, autorizadas pela Diretoria da Petrobras, em setembro de 2005, para participação da PDVSA na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, e da Petrobras em projetos na Venezuela, como as concessões de E&P em Carabobo, na Faixa do Orenoco, e em projetos de gás natural de Mariscal Sucre, no Golfo de Paria, voltados para exportação de GNL. Tudo isso com o viés político “bolivariano”.
A refinaria foi concebida como uma parceria entre Petrobras e PDVSA, cada uma com 50% dos investimentos, para processar 200 mil b/d, com partes iguais do óleo superpesado da Venezuela e do óleo pesado do Brasil e investimentos projetados de US$ 2,5 bilhões. Ora, o óleo da Venezuela é de 8º a 10º API, enquanto o óleo brasileiro, típico dos principais campos da Bacia de Campos, varia de 19º a 24º API. Assim, os dois trens de refino, em princípio, seriam diferentes. O projeto sofreu várias revisões em oito anos, inclusive pela iniciativa da PDVSA de reduzir sua participação para 40%, sob a alegação de que, na Venezuela, a lei não permitia a participação de companhias estrangeiras em seu país em percentual superior a 40%! Com as sucessivas reformas, os investimentos são hoje estimados em US$ 20 bilhões, sem que tenha havido nenhum aporte da PDVSA. Os projetos de upstream, embora tenham sido considerados interessantes pela Petrobras, inviabilizaram-se por conta das condições inflexíveis da PDVSA. Em 25/10/2013, a Petrobras formalizou a continuação da Rnest sem participação da PDVSA.
Ainda no refino, há claros indícios de que, do ponto de vista estratégico, não valeu a pena a Petrobras adquirir a refinaria de Pasadena, nos EUA, ou a de Okinawa, no Japão, ambas de 100 mil b/d. Muitas companhias integradas americanas têm se desfeito de suas refinarias, por considerarem a concentração no upstream mais adequada. A ConocoPhillips alienou sua subsidiária downstream no início de 2012 e começa a experimentar resultados muito mais expressivos.
Portanto, parece ter sido um claro erro estratégico a tentativa de associação com os venezuelanos. As denúncias de malversação dos recursos da Petrobras, nesse e em outros projetos, precisam ser apuradas, e os responsáveis por irregularidades, punidos, sob pena de “PDVSização” da Petrobras. Ou pior: venezuelização do Brasil!
A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses
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