Opinião
Gás natural no Brasil: Era Dourada ou Anos Perdidos?
A coluna bimestral de Ieda Gomes
Após cinco anos de interrupção, o Brasil realizou em 2013 três rodadas de licitação de áreas de petróleo e gás natural. Em maio foram licitados 289 blocos, dos quais 141 foram arrematados; em outubro foi realizado o leilão de Libra, sob o regime de partilha, com apenas um consórcio ofertante; e em novembro foram licitados 240 blocos onshore, dos quais apenas 72 arrematados, com a Petrobras levando 49 deles. Os blocos desta última rodada eram predominantemente gasíferos, com indícios de gás não convencional. Somente 12 empresas apresentaram propostas, mas não houve participação de companhias com experiência em shale gas, ou seja, das chamadas empresas independentes que alavancaram o desenvolvimento de gás não convencional nos EUA.
As possíveis razões para a falta de interesse no gás onshore brasileiro seriam a falta de infraestrutura para o seu escoamento; o monopólio da Petrobras no sistema de transporte; a inexistência do plano para a malha de transporte em sintonia com a licitação do upstream; e incertezas quanto à inserção de geração termelétrica como consumidor âncora em áreas isoladas no mercado comprador de gás.
Em que pese a curiosidade pelo gás não convencional, as condições do edital e do contrato não são atraentes para o investidor privado. A consulta pública sobre o fraturamento hidráulico, essencial para liberar o gás da rocha de folhelho, ainda está em andamento, e dependendo das recomendações poderá impactar fortemente a viabilidade dos blocos licitados. A exigência de conteúdo nacional superior a 80% para a fase de desenvolvimento inviabiliza a importação de perfuratrizes ociosas dos EUA que poderiam acelerar os projetos a custos mais competitivos.
Além disso, como a exploração e a produção de gás não convencional ainda não são uma tecnologia dominada pela indústria brasileira, era de se esperar que o governo concedesse incentivos para atrair investidores experientes, a exemplo de outros países. O Paquistão oferece um prêmio sobre o preço zonal de gás para produção acelerada e isenção de impostos sobre lucros em excesso. O Reino Unido propõe reduzir certos impostos sobre a produção de shale gas de 62% para 30%. A Polônia, após amargar o abandono dos investidores, resolveu não cobrar impostos sobre a produção de shale gas até 2020. E nos EUA, além de financiar pesquisa e desenvolvimento, o governo concedeu créditos tributários e incentivos nos preços de gás regulado.
O hiato de cinco anos sem leilão, o pouco interesse nos blocos de gás onshore e as incertezas sobre o cronograma, qualidade e volumes do gás do pré-sal deverão impactar a oferta de gás nacional no médio e longo prazos. O contrato com a Bolívia expira em pouco mais de cinco anos, e há incertezas quanto às reservas de gás daquele país.
Restará ao Brasil importar GNL, e no mercado spot, por não poder contratar volumes firmes de longo prazo com as termelétricas. Até setembro foram importadas 2,8 milhões de toneladas de GNL, preço FOB de US$ 2,1 bihões. Somando-se o frete, essa conta deve chegar a US$ 2,4 bilhões – maior que as receitas de Itaipu repassadas ao Tesouro Nacional. A Petrobras paga US$ 14 a US$ 15/MMBtu pelo GNL, mais custos de regaseificação, e revende o gás às térmicas do PPT (Programa Prioritário de Termelétricas) a US$ 4,50/MMBtu, arcando com o “prejuízo” de cerca de US$ 1,7 bilhão pela diferença de preço entre o GNL FOB regaseificado e o preço de venda às térmicas.
E o consumidor também paga essa conta. Para manter esse preço às térmicas – diga-se de passagem, também controladas pela Petrobras –, o gás nacional tem de ser vendido a preços mais altos. Se houvesse gás nacional em quantidade suficente para evitar a importação de GNL, com preços pelo menos similares ao do gás nacional vendido com desconto (US$ 8/MMBtu), o país estaria economizando mais de US$ 1 bilhão em divisas e possibilitando uma política de preços mais justa para os demais segmentos consumidores de gás natural.
É preciso dar um sinal de longo prazo para o setor de gás, mantendo-se um cronograma estável e anual de licitações. Enquanto a Agência Internacional de Energia (AIE) faz a apologia da Era Dourada do gás, o Brasil tem de recuperar os Anos Perdidos.
A coluna de Ieda Gomes é publicada a cada dois meses
E-mail: ieda@energixstrategy.com