Opinião

Implicações geopolíticas das mega fusões na indústria de O&G dos EUA

As grandes potências só consideram ampliar seus investimentos em energias renováveis e na descarbonização da economia à medida que essas ações se alinham com suas estratégias de expansão de poder

Por Fernanda Brozoski

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Enquanto cresce a pressão global para reduzir as emissões de CO2 provenientes de fontes fósseis, grandes petroleiras estadunidenses se fundem para assegurar a ampliação da produção de petróleo nos próximos anos. As megas fusões no setor de Óleo e Gás dos Estados Unidos, que vêm ocorrendo desde meados de 2023, sinalizam claramente que a manutenção da demanda por petróleo no médio prazo é uma expectativa consolidada.

Além disso, esse fenômeno também descortina que o ritmo da necessária transformação da matriz energética global pode não ocorrer na velocidade esperada, uma vez que as fontes fósseis seguem sendo a prioridade dos atores responsáveis pela maior produção de petróleo do mundo.

Em outubro de 2023, a ExxonMobil adquiriu a Pioneer Natural Resources, consolidando-se como a maior produtora de petróleo na Bacia Permiana. Esta região, que se estende do Texas ao Novo México, abriga a maior reserva de xisto do mundo e é, atualmente, a principal área produtora de petróleo nos EUA.

Ainda no ano passado, a Chevron anunciou a aquisição da Hess Corp., destacando que seu principal objetivo é ter acesso à participação de 30% que a Hess detém no bloco Stabroek, na Guiana. Atualmente, a fusão está em suspenso devido à arbitragem solicitada pela Exxon, que é parceira da Hess no desenvolvimento de ativos na Guiana e reivindica o "direito de preferência" na aquisição dessa participação.

Já em fevereiro de 2024, a Diamondback Energy e a Endeavor Energy Resources, ambas sediadas no Texas, também anunciaram um acordo de fusão. A união garantirá à empresa a segunda posição de maior produtora na Bacia Permiana, ficando atrás apenas da ExxonMobil.

E, por fim, totalizando quatro grandes fusões, no final de maio último, a ConocoPhillips anunciou a aquisição da Marathon Oil. Com o acordo, a empresa incorpora reservas offshore da Guiné Equatorial e também expande sua presença em campos estratégicos de xisto no permiano estadunidense.

De acordo com as empresas, essas aquisições e fusões são fundamentais para aumentar a receita e expandir a participação de mercado, fortalecendo a competitividade. Essas operações também permitem o aproveitamento de economias de escala, resultando em redução de custos e maior eficiência operacional.

No entanto, chama a atenção que todas essas associações visam ampliar a atuação no onshore da Bacia Permiana e no offshore nas costas norte da América do Sul e oeste da África, zonas geológicas equivalentes. Tal movimento não é um mero detalhe quando se trata do maior produtor mundial de petróleo, os Estados Unidos. O país alcançou esse status graças ao que está sendo considerado seu "novo boom" do petróleo, propiciado, justamente, pelo desenvolvimento das reservas da Bacia Permiana.

A acirrada competição entre essas empresas revela que importantes atores do O&G reconhecem a importância vital de controlar as reservas e a produção dessas regiões para manter suas posições de liderança global. E olhando para esse aspecto, devemos atentar para algumas dinâmicas geopolíticas.

Primeiro, é essencial notar que este fenômeno ocorre em paralelo, ou talvez até como reação, ao avanço das estratégias de segurança energética do novo polo de poder mundial euroasiático, centrado na consolidação da parceria estratégica entre a Rússia e a China. Seja pelo avanço da Belt and Road Initiative, que implica a expansão chinesa na África e no Oriente Médio, seja pelo fortalecimento da aliança sino-russa, intensificada pelos efeitos da guerra na Ucrânia, o abastecimento energético desses dois rivais dos EUA está se tornando cada vez mais seguro. E, portanto, é de se esperar que os Estados Unidos reajam buscando assegurar novas e abundantes fontes de energia, preferencialmente em seu raio de maior influência.

Embora esse movimento seja impulsionado por empresas privadas, através das fusões antes mencionadas, o Estado desempenha um papel crucial ao facilitar essas iniciativas por meio de regulamentações e da promoção desses interesses em níveis centrais de decisão política. Isso evidencia, mais uma vez, a indissociação entre poder político e econômico na execução dos interesses nacionais.

Um outro ponto de atenção muito relevante para o Brasil é que as reservas da Margem Equatorial podem ficar na mira desses atores. Diferente da Guiana e do Suriname, o Brasil tem longa experiência no setor de O&G e, hoje, ocupa a oitava posição no ranking global de produção de petróleo (EIA, 2023). Também possui uma das mais avançadas e seguras tecnologias para exploração offshore, que permitiria a Petrobras, líder mundial em exploração em águas ultraprofundas, desenvolver as promissoras reservas descobertas nesse ambiente, como na Bacia Potiguar. Portanto, a relutância em se ter uma definição em relação à exploração desses recursos pode ter um custo grande para o Brasil no futuro.

Por fim, as megas fusões sinalizam que a transição energética é uma prioridade secundária no médio prazo. As grandes potências só consideram ampliar seus investimentos em energias renováveis e na descarbonização da economia à medida que essas ações se alinham com suas estratégias de expansão de poder.

A experiência brasileira poderia caminhar em outro sentido e mostrar ao mundo que essa lógica pode ser subvertida. Para isso, é preciso planejar a exploração da Margem Equatorial, colocando a transição energética no centro. Ou seja, é preciso que se estabeleçam políticas claras que visem a segurança energética, mas que coloquem em primeiro plano o avanço de novas rotas tecnológicas para produção de energias limpas e combustíveis verdes e que financiem a proteção da Amazônia e de outros biomas.

 

* Fernanda Brozoski é doutora em Economia Política Internacional (Pepi/UFRJ) e coordenadora de pesquisa do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

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