Opinião

A legalidade e o mérito das contratações da Petrobras

É fundamental que as contratações da empresa sejam regidas por uma lei, não por um decreto, avalia Paulo Cesar Ribeiro Lima

Por Redação

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Em 6 de agosto de 1997, foi promulgada a Lei nº 9.478, que colocou a Petrobras em um mercado concorrencial, praticamente em igualdade de condições com as demais empresas. Nos termos do art. 67 dessa Lei, os contratos serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República. Desse modo, foi editado o Decreto nº 2.745, de 24 de agosto de 1998, que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras.

Ressalte-se, contudo, que o art. 173, § 1º, da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, dispõe que a lei estabelecerá o estatuto jurídico de empresas como a Petrobras. Nos termo do inciso III, essa lei disporá inclusive sobre licitação e contratação.

O Tribunal de Contas da União – TCU, com base no Enunciado nº 347 da Súmula do Supremo Tribunal Federal – STF, declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 2.745/1998, por meio da Decisão nº 663/2002-TCU-Plenário. O TCU assim se pronunciou: “(...) a Lei nº 9.478/97 não legislou sobre licitações, stricto sensu, deixando tal tarefa a cargo do Decreto; é dizer, a Lei nº 9.478/97 não trouxe qualquer dispositivo que dissesse como seriam as licitações processadas pela Petrobras. Nem ao menos os princípios básicos que deveriam reger os processos licitatórios da estatal constaram da lei. Assim, o Decreto nº 2.745/98 inovou no mundo jurídico, ao trazer comandos e princípios que deveriam constar de lei. Pode-se dizer, então, que o Decreto não regulamentou dispositivos: os criou.”

Inconformada com reiteradas decisões do TCU no mesmo sentido, a Petrobras impetrou o mandado de segurança nº 25.888/DF, no que obteve provimento liminar favorável do Ministro do STF Gilmar Mendes, nos seguintes termos: “A submissão legal da Petrobras a um regime diferenciado de licitação parece estar justificada pelo fato de que, com a relativização do monopólio do petróleo trazida pela EC n° 9/95, a empresa passou a exercer a atividade econômica de exploração do petróleo em regime de livre competição com as empresas privadas concessionárias da atividade, as quais, frise-se, não estão submetidas às regras rígidas de licitação e contratação da Lei n° 8.666/93. Lembre-se, nesse sentido, que a livre concorrência pressupõe a igualdade de condições entre os concorrentes.”

Até hoje a matéria não foi apreciada pelo Plenário do STF e a Petrobras continua aplicando o Decreto nº 2.745/1998, em razão de seguidos mandados de segurança levados à Suprema Corte, que vem concedendo provimentos liminares em favor da empresa.

Importa ressaltar que atualmente inexistem as condições citadas pelo Ministro Gilmar Mendes, pois a Petrobras, como já citado, passou a ter o monopólio operacional no polígono do Pré-Sal e em áreas estratégicas. Destaque-se, ainda, a promulgação da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC.

A atual Lei de Licitações, Lei nº 8.666/1994, precisa, de fato, ser alterada para atender às novas necessidades da administração pública. A metodologia que vem se materializando de forma sólida, em razão de seu sucesso, é a do Pregão, que tem proporcionado economia aos cofres públicos e dado celeridade ao processo. Nesse contexto, surge o RDC, que permite a utilização de procedimentos correspondentes ao do Pregão em obras de engenharia.

O regime de contratação integrada previsto no RDC apresentou-se como uma opção para as obras da Copa do Mundo, pois permitiu que as empresas pudessem executá-las rapidamente. Destaque-se, no entanto, que a contratação de uma obra sem o projeto básico pode ser uma fragilidade da contratação integrada. No caso da Petrobras, não haveria nenhuma dificuldade na elaboração ou contratação de um projeto básico antes da licitação da obra.

Nesse regime, conforme o art. 9º, §4º, da Lei nº 12.462/2011, os aditivos contratuais são permitidos em apenas duas hipóteses: para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro na ocorrência de caso fortuito e força maior ou por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993.

O Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras, item 1.9, também prevê a contratação integrada. Entretanto, não há restrições específicas com relação a aditivos, como no caso da Lei nº 12.462/2011. Existe a restrição genérica do item 7.2, “b”, segundo o qual os contratos regidos pelo Regulamento poderão ser alterados, mediante acordo entre as partes, e quando necessária a alteração do valor contratual, em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, será observado, quanto aos acréscimos, o limite de 25% do valor atualizado do contrato.

Também é importante destacar que, ao contrário da Lei nº 8.666/1993, o Regulamento da Petrobras não impõe limite de valor para contratação na modalidade convite. Além de contratar suas obras nessa modalidade, a Petrobras vem admitindo que os valores das propostas se situem em uma faixa de -15% a +20% do valor estimado para a obra. O limite inferior é justificado pelos riscos desnecessários de ter uma obra paralisada ou executada com nível de qualidade baixo; já o limite superior é justificado com base na norma internacional AACE NR 18R-97.

De acordo com essa norma, para um projeto Classe 2, o administrador pode reservar um orçamento até 20% maior para executar o empreendimento e a obra pode ficar até 15% mais barata. No entanto, não é esse o procedimento adotado pela Petrobras ao adotar a faixa de -15% a +20%, pois a empresa, sem previsão legal, acaba transferindo para o contratado todo o orçamento reservado para a obra.
Esse procedimento só não traria prejuízo se a contratação ocorresse em regime de empreitada por preço global, se não houvesse possibilidade de aditivos e se o contratado assumisse todo e qualquer risco do empreendimento. Não sendo esse o caso, a Petrobras deveria reservar o orçamento extra de 20% para cobrir eventuais aditivos.

O orçamento correspondente ao valor superior de aceitabilidade deve ficar nas mãos de quem assume os riscos. Assim, se o contratado não assume esses riscos e recebe o valor superior, além de aditivos de 25%, o custo final da obra pode ser 50% maior que o estimado. Dessa forma, uma refinaria orçada em US$ 10 bilhões pode atingir um custo de US$ 15 bilhões.

Na área de exploração e produção, de 2013 a 2030, receitas brutas no País poderão atingir R$ 7 trilhões e as contratações da Petrobras, principalmente em razão de ser o operador único no regime de partilha de produção, poderão ser superiores a R$ 1,5 trilhão. Nesse cenário, é fundamental que as contratações da empresa sejam regidas por uma lei, não por um decreto.

Caso não se aprove no Congresso Nacional uma lei que solucione a inconstitucionalidade, a ilegalidade e os problemas de mérito do Decreto nº 2.745/1998 e do Regulamento da Petrobras, as portas estarão abertas para sobrepreços e para práticas pouco republicanas.

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