Opinião

A matriz de gás no Brasil e no mundo: contrastes e paradigmas

A coluna bimestral de Ieda Gomes

Por Redação

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O gás natural representa 21% do consumo mundial de energia e, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), sua participação pode chegar a 25% em 2035 – um aumento de 1,8 trilhão de metros cúbicos por ano.

No Brasil, o gás contribuiu com 10,1% da oferta de energia primária em 2011, com um crescimento médio de 8,2% nos últimos dez anos, desde a introdução do energético boliviano. A participação do gás no consumo final energético foi de 7,2% em 2011, contra 4,7% em 2001. No entanto, a despeito do crescimento espetacular na primeira metade dos anos 2000, verifica-se certa estagnação do peso do gás no consumo final desde 2007.

O setor industrial consome 60% do gás disponibilizado ao mercado brasileiro, e o combustível representa 11,3% do consumo de energia desse segmento. A participação do óleo combustível, o maior competidor do gás na indústria, caiu para apenas 3,3%, enquanto o carvão vegetal e a lenha têm mantido peso estável, de 5% e 8%, respectivamente. Já o carvão mineral pulou de 4,5% para 13% do consumo de energia na indústria em apenas um ano, puxado pela siderurgia.

O espaço disponível para o aumento do consumo de gás em substituição ao óleo combustível na indústria é de apenas 9 milhões de m3/dia. Isso sem levar em conta a disponibilidade de infraestrutura de transporte e distribuição. Para conquistar fatia maior do consumo industrial, o gás teria de substituir lenha e carvão ou ainda ter um uso mais intensivo como matéria-prima na indústria petroquímica e de fertilizantes. Nesses segmentos, porém, o produto brasileiro teria de competir com produtos dos EUA, onde a previsão de preços Henry Hub para 2015 é de cerca de US$ 5/MMBTU, ou com produtos do Oriente Médio, onde os preços do gás, em sua maior parte associado, vão de US$ 0,75 a US$ 2/MMBTU. No Brasil, o preço do gás para o consumidor industrial de grande porte, sem tributos, oscila entre US$ 12 e US$ 13/MMBTU.

Caberia, então, analisar o espaço disponível para crescimento do gás em outros setores.

Em países com elevada participação do gás, como a Argentina, Reino Unido e EUA, os setores residencial, comercial e de transportes detêm grande fatia do consumo – 35%, 43% e 40%, respectivamente. Na China, onde o gás representa apenas 4% do consumo de energia, os três setores respondem por 40% do consumo. Eles são essenciais para a estabilidade institucional da indústria do gás.

Somados, esses setores representam 10% do consumo final no Brasil. A penetração do gás no setor residencial é de apenas 1,2%, enquanto o GLP responde por 27%. A baixa participação nos setores comercial e residencial decorre de falta de competitividade com o preço do GLP, inadequada capilarização da infraestrutura de transporte e de distribuição, baixa demanda unitária, por questões climáticas, e ausência de metas de universalização por parte do poder concedente. Problemas similares ocorrem na Índia, onde os três setores respondem por apenas 4,5% do consumo de gás.

O setor elétrico vem respondendo por 24,9% do consumo total de gás em 2012, mas registrou apenas 16,9% em 2011. A participação do gás no consumo final do setor caiu de 6,6% em 2010 para 4,6% em 2011, o que demonstra a volatilidade do segmento elétrico como potencial âncora de consumo e a dificuldade em garantir 100% do suprimento com um take-or-pay extremamente variável. Nos EUA, o consumo de gás no setor elétrico cresceu de 25% em 2009 para 32% em 2012, em decorrência dos baixos preços do gás em relação ao carvão. Na Índia, o setor elétrico representa 50% do consumo de gás, com o governo priorizando a produção de fertilizantes e a termeletricidade para destinação do gás doméstico. No entanto, os baixos preços ao produtor de gás não-associado, cerca de US$ 4,20/MMBTU, não têm estimulado o aumento da produção doméstica. No Reino Unido, a taxa de carbono ajuda a melhorar a competitividade do gás para a indústria e a termeletricidade, mas preços de paridade de importação de US$ 8 a US$ 10/MMBTU, aliados ao crescimento de energias renováveis, estão tendo o efeito perverso de deslocar o combustível fóssil mais limpo, com plantas a carvão sendo despachadas antes das plantas a gás.

A oferta de gás no Brasil poderá duplicar em 2020, e o consumo final energético na indústria dificilmente ancorará todo esse volume de gás. Embora cada país tenha contextos distintos, o Brasil vai precisar estabelecer políticas vigorosas para estimular o crescimento de gás em residências/comércio, definir sua vocação para o setor petroquímico/fertilizantes e garantir a produção de eletricidade térmica na base.


A coluna de Ieda Gomes é publicada a cada dois meses
E-mail: ieda.gomes2@gmail.com

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