Opinião
Momento de reconfiguração
A ostentação do setor acabou e a dinâmica do preço pelo viés do custo demonstra claramente que se precisa de transformação
Depois de viver a chamada “era de ouro” com a expectativa em volta dos reservatórios do pré-sal, a indústria brasileira de óleo e gás passa por um momento de reconfiguração. Atualmente, está em curso uma série de ações para tentar acelerar a retomada dos investimentos no setor, que já foi um dos mais promissores do país, com representatividade de aproximadamente 13% do PIB, e recuperar um segmento que também foi afetado em cheio pela crise política e econômica e pela Operação Lava Jato. Somados a isso, o segmento também sofreu os reflexos de fatores externos como a queda do preço do petróleo, o efeito do shale gas nos Estados Unidos, a desaceleração da China e os novos entrantes no mercado internacional.
Com relação aos internos, podemos elencar o fato de a Petrobras deixar de ser operadora única, a flexibilização dos percentuais estipulados para conteúdo local e a tentativa de previsibilidade de novos leilões, dos quais o último destinado à área onshore foi realizado no ano passado.
O fato de a estatal brasileira deixar de ser a operadora única e ter a obrigação de estar presente em todos os consórcios com 30% pode trazer um fôlego financeiro para a empresa com um direcionamento qualitativo a projetos estratégicos, além de fomentar o mercado com novos entrantes. Em aprovação no Senado, o texto estabelece que a Petrobras deverá se manifestar sobre a preferência de ser operadora dos campos que serão licitados, o que será avaliado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Por outro lado, alguns especialistas acreditam que esse movimento diminuiria a vantagem competitiva da estatal com a entrega dos recursos do pré-sal a empresas que nunca fizeram investimentos de prospecção no Brasil, diminuindo o controle estratégico das reservas e da produção local.
Não menos importante que o anterior, outro fator que está sendo discutido diz respeito às alterações nos percentuais estipulados para conteúdo local, ou seja, a parcela de peças, serviço e mão de obra que tem de ser obrigatoriamente brasileira. O governo já sinalizou que poderá implantar uma nova forma de avaliação do conteúdo nacional que irá valer para os contratos futuros, ao publicar recentemente um decreto no Diário Oficial da União dando mais flexibilidade à regra atual. O texto prevê a criação de um Comitê Diretivo que irá decidir sobre a concessão de Unidades de Conteúdo Local (UCL), permitindo a geração de créditos que as operadoras poderão compensar com um eventual conteúdo local excedente obtido em um campo de exploração diferente, onde seria mais difícil atingir a exigência mínima.
O setor também foi pego no contrapé do ciclo do petróleo, marcado pela queda histórica em períodos de predominância de produção, diferentemente da fase que o setor viveu na década passada, com o preço do barril chegando aos US$ 110, com predominância dos investimentos em campanhas exploratórias, o que causou uma crise de proporções mundiais para países e companhias. Mas isso é cíclico e especialistas já apontam para uma retomada dos preços a partir de 2018. Não acreditamos que ele irá voltar aos patamares praticados anteriormente, mas já há sinal de gradativa recuperação.
Em março deste ano, o governo publicou uma resolução do CNPE que dá um prazo de 12 meses para o retorno das operações em campos de petróleo com produção paralisada no país. Caso contrário, as concessões serão retomadas pela ANP. Esta determinação é também parte do pacote de medidas que tem o objetivo de destravar investimentos no setor de petróleo e garantir o estímulo à geração de royalties e de empregos nas regiões. Segundo o texto, as concessionárias de áreas inativas deverão reiniciar as operações ou vender a concessão para outra empresa dentro de um ano a partir da notificação pela ANP.
A ostentação no setor acabou e a dinâmica do preço pelo viés do custo demonstra claramente que o setor precisa de transformação. Hoje existe um esforço dos fornecedores em enxugar a estrutura e reduzir custos para melhorar a competitividade. Neste mercado muito mais competitivo, vai sobreviver quem souber aplicar essa fórmula corretamente. Sabemos que o fator determinante para investir no Brasil são os potenciais reservatórios a ser explorados, incluindo o pré-sal, e que o segmento de óleo e gás tem grande relevância para a cadeia produtiva nacional, com forte impacto sobre a capacidade de crescimento do país. É um momento de total reconfiguração em que toda indústria terá de se remodelar para continuar no mercado e atrair o retorno esperado pelos investidores.
Anderson Dutra é sócio da área de óleo e gás da KPMG