Opinião

Não há superação da crise sem a retomada de investimentos

No Brasil, em particular, existem ainda fatores adicionais que deprimem os investimentos

Por Redação

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Parte importante dos países em desenvolvimento, ao longo dos últimos meses, tem observado significativa desaceleração na atividade econômica, associada a um crescente pessimismo, com efeitos negativos sobre o nível de confiança na economia e nas instituições desses países. Surpresas positivas, como o crescimento acima do esperado na Índia, não têm compensado a piora das demais economias emergentes, que têm apresentado desempenho aquém do esperado e se transformado no principal fator de risco do cenário global: ainda se especula quanto a economia chinesa pode desacelerar e o tamanho da queda do PIB de Brasil e Rússia.

No Brasil, em particular, existem ainda fatores adicionais que deprimem os investimentos, notadamente os problemas fiscais do governo que reduzem a oferta de crédito e investimento públicos, a paralisia política que acentua a desconfiança sobre o país e os desdobramentos da Lava Jato que afetam diversas empresas ligadas diretamente a investimentos nacionais. A título de ilustração, a Petrobras, responsável por 10% do total de investimento no país em 2013, reduziu seu Plano de Investimento em 35% para o período de 2015-2019.

Os Índices de Confiança da FGV mostram que o pessimismo, tanto de empresários como das famílias, atingiu patamares recordes e tem perdurado bem mais que o observado na crise de 2008-2009, paralisando decisões de investimento e consumo e gerando um ciclo de difícil ruptura.

A crise brasileira é complexa, sim. No entanto, há diversas ações que podem contribuir muito para mitigar seus efeitos e auxiliar a retomada de um ciclo virtuoso. As agências reguladoras, ao atuarem em setores estratégicos para a economia, podem contribuir muito para isso. Voltar o olhar para o ambiente de negócios, de forma a restaurar condições para a retomada do investimento, é fator crítico para a superação da crise.
Nesse sentido, é importante entender, porém, que a retração de investimentos privados no Brasil não é resultado apenas da deterioração da situação macroeconômica e do ambiente político conturbado, mas também de uma maior percepção de risco e incerteza por parte dos investidores em mercados regulados.

A atuação recente da ANP, na revisão da regulamentação de distribuição e revenda de GLP no país, exemplifica isso. Um mês após ter colocado em consulta pública minutas que mantinham, como historicamente sempre foi feito, a comercialização direta de GLP embalado em cilindros de todos os tamanhos diretamente de distribuidores ou revendedores a consumidores diretos, em abril de 2015, a Superintendência de Abastecimento da ANP publicou uma nova Nota Técnica, de número 151, recomendando à Agência que fosse vedada a comercialização direta de GLP embalado em cilindro por parte dos distribuidores aos consumidores diretos. Não foram apresentados estudos com a fundamentação técnica para essa mudança de proposição. Vale destacar que a Nota Técnica vai em direção totalmente contrária à consulta pública proposta pela própria ANP, dando sinais no mínimo confusos ao mercado, contribuindo para paralisar negócios e investimentos.

Outro exemplo que ilustra essa situação de incerteza que afugenta investimentos é a prorrogação antecipada dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, que foi autorizada por meio da Medida Provisória (MP) 579/2012, convertida na Lei 12.783/2013. O ato normativo autorizou a prorrogação do contrato, sem estabelecer os critérios de renovação. Em junho deste ano, foi publicado o Decreto 8.461/2015, que regulamenta a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica, e em outubro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou o termo aditivo aos contratos de distribuição, encerrando um longo período de quase três anos de incerteza em relação às novas condições contratuais. Essa situação aumentou significativamente a percepção de risco do mercado financeiro em relação ao setor elétrico. Como resultado, o custo de captação de recursos se elevou, prejudicando o investimento do setor.

No setor de telecomunicações, relatórios do mercado financeiro indicam uma percepção de razoável risco regulatório. As principais razões apontadas são as surpresas regulatórias; intervenção direta nos modelos de negócio; e aplicação de multas com valores muito elevados, descasados dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade.

Espera-se que a atuação das agências regulatórias seja transparente e respaldada em critérios técnicos, com análises de custo-benefício que permitam, de maneira objetiva, comparar o custo da medida regulatória com seu retorno para a sociedade. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF) vem primando por esses conceitos em suas manifestações nas consultas públicas. Todavia, a despeito da qualidade técnica das análises da SEAE/MF, bem como de outros atores que se manifestam em consultas e audiências, raramente as contribuições encontram respostas, o que certamente concorreria muito para o aprimoramento das normas, mediante o fomento do debate técnico com os atores envolvidos. As etapas de audiência e consulta pública têm funcionado, em sua grande maioria, como meros episódios burocráticos, sem a real serventia de aprimorar e aprofundar os debates.

Agrava isso o fato de que, não raro, o que se observa é uma atuação regulatória que vai na contramão do esperado, com incremento da complexidade do conjunto de normas existentes e consequente aumento de entraves burocráticos para o exercício das atividades.

Esse cenário gera um risco adicional que é o surgimento de proposições de alterações que, entre aprimoramentos para o funcionamento das Agências, carregam retrocessos preocupantes. O Senado tem discutido o PLS 52/13 (que reproduz grande parte do conteúdo do PL 3.337/04) que busca propor medidas que aprimoram o modelo atual através do estabelecimento de regras relativas a gestão, organização e mecanismos de controle social das agências reguladoras. O projeto levanta alguns pontos válidos e relevantes, como a obrigatoriedade da realização das reuniões deliberativas de maneira pública, a instituição de Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) e a alteração nos mandatos dos diretores de forma a não haver coincidência com o mandato presidencial.

Causa muita preocupação, contudo, a proposta de reduzir a independência das agências reguladoras através do controle mais efetivo do Executivo e do Legislativo. Uma agência reguladora deve ter a capacidade de zelar por compromissos de longo prazo sem risco de ruptura por mudanças políticas, restringindo dessa forma a percepção de risco de setores com elevado custo de investimento, que precisam de longos períodos de amortização.

Fortalecer os pilares microeconômicos que afetam a competitividade da economia nacional e melhorar o ambiente de negócios, com reflexos na confiança do empresariado, são ingredientes fundamentais não só para a superação da crise, mas para um crescimento econômico duradouro. Aprimoramentos são necessários, sim, mas uma inversão da rota seria um grande retrocesso. Muito já se conquistou e há condições para que sejam realizados aprimoramentos mesmo antes de uma nova lei. Há muito tempo, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, faz a divulgação de atas e áudios de sessões de julgamento em seu sítio eletrônico. Também há agências reguladoras que já efetuam AIR. Expandir e aprimorar essas e outras boas práticas para mais agências reguladoras é um sinal de amadurecimento institucional que muito contribuirá para acelerar nossa recuperação econômica. Se o caminho é longo, que comece então já no próximo regulamento.

Cláudia Viegas é diretora de Regulação Econômica da LCA e doutora em Economia pela FEA/USP. Colaboraram: Edgar Perlotti, Anna Olímpia, André Marinho e Henrique Vicente, da mesma consultoria

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