Opinião

Nem foguetes para Marte

A Política de Conteúdo Local para o segmento de Óleo e Gás brasileiro parece ter vícios de comportamento que induzem à oportunidade para uma revisão conceitual de essência

Por Redação

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A Política de Conteúdo Local para o segmento de Óleo e Gás brasileiro parece ter vícios de comportamento que induzem à oportunidade para uma revisão conceitual de essência.

Uma notícia recente em revista especializada de grande circulação nacional dizia o seguinte: “SÍSMICA − ANP aprova waiver para embarcações − Agência reconheceu inexistência de unidades construídas no país entre 2008 e o ano passado”.

Seria difícil imaginar que um profissional experiente em exploração de petróleo considerasse que estaríamos construindo navios para aquisição de dados geofísicos no Brasil. Exagerando na comparação, seria o mesmo que fazer por aqui foguetes para ir a Marte? Não que um dia não se deseje ou não se possa fazer esses equipamentos por aqui, mas não é realidade razoável em um horizonte de tempo de pelo menos 10 ou 20 anos. Iriam requerer pesquisa, desenvolvimento, mercado de exportação, muita eficácia.

As tecnologias envolvidas nesses navios são sofisticadas. Sistemas de navegação complexos, construção especial com largura extrema, capacidade de rebocar dezenas de enormes cabos de air gun e de hidrofones de captura, posicionadores de grande precisão. Nada disso é feito atualmente no Brasil, nem há perspectivas no curto prazo. Não há escala, nem empresas utilizadoras locais (todas estrangeiras: PGS, CGG, ION, Spectrum, etc.), não fabricamos cabos, hidrofones, etc. Não temos essas tecnologias por aqui, infelizmente, neste momento.

Surge a pergunta: por que esses itens de tecnologia complexa são colocados em listas de análise de Conteúdo Local? Este item e outros, como ferramentas de Logging por exemplo, que também não temos por aqui? Isto força a discussão desses temas em reuniões formais de entidade regulamentadora nacional, sem muito ganho para o país.

Alguém poderia pensar que se trata de dissimulação técnico-administrativa, que nos habituamos a fazer naturalmente e da qual não conseguimos nos desvencilhar. Sabemos que não se aplica, simulamos as discussões e concluimos com a decisão desnecessária de um waiver.
Não será possivelmente desta maneira que iremos compor uma indústria local sólida, competente e competitiva. Gostamos do glamour do convívio das altas tecnologias e não temos a gestão mínima objetiva disponível local.

Poderíamos “começar do começo”. Logo de início, dizer o que não se faz e não se tem chance de fazer nos próximos anos. Caso existissem  sinalizações de mercado de capacidades novas para se construir esta ou aquela tecnologia em solo local, seria ajustada a lista de Conteúdo Local.
Investidores, provedores, operadores não se sentem confortáveis com a incerteza do que é óbvio ou claramente visualizável pelos que estão inseridos na indústria de forma mais intensa, especializados. Induz pessoalidade desnecessária nas decisões, o que promove insegurança nos negócios.

A sequência de Óleo e Gás indica que a primeira parte do processo produtivo é nômade, associativa, tecnológica e de oportunidade. No gráfico, observa-se que os riscos e a temporalidade são muito altos no início. Nada é certo, nada é definitivo neste momento. Aquisição geofísica, perfuração, perfilagem de poços e assemelhados são quase que “naturalmente” estrangeiros. Aqui e em muitos outros lugares civilizados.
Há maior espaço para focalizar esforços, recursos, treinamento, pesquisa, inovação naquilo que é mais “sedentário”, como topside, subsea, com muito maior chance de domínio e localização. Estarão em uso em ponto fixo por 20 ou 30 anos, cada instalação, então fazendo sentido o controle local do conhecimento, envolvendo da pesquisa à manutenção. O Conteúdo Local terá mais chances de sobreviver e contribuir se estiver aderente à realidade, com desafios, porém com bom-senso.

Portanto, o Brasil poderia romper esses paradigmas de gestão e obter a percepção de um país planejador, com gestão cada vez mais confiável, focada, realista e menos pessoal, com mais profissionalismo.

Armando Cavanha F. é professor da FGV/MBA

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