Opinião

Neoindustrialização brasileira: setores e instrumentos

A instabilidade do atual cenário geopolítico e econômico impõe a necessidade de uma nova industrialização do Brasil

Por William Nozaki

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O ambiente de guerra, a nova corrida tecnológica, os diversos mecanismos protecionistas, assim como as urgências sanitárias e a emergência climática, evidenciam a centralidade da indústria e a importância do Estado como instrumentos necessários para enfrentar esse momento de múltiplas incertezas. O rearranjo geográfico da produção e das cadeias globais de valor abrem uma janela de oportunidades para o Brasil.

Para promover uma neoindustrialização, o país precisa de uma política industrial que seja capaz de superar quatro desafios contemporâneos: enfrentar a desindustrialização precoce, as desigualdades profundas e investir na descarbonização e a transformação digital. Os gargalos tecnológicos relevantes para o país que deveriam ser priorizados são aqueles já estabelecidos e maturados, com vantagens competitivas e que trazem potencial para enfrentarmos simultaneamente alguns dos nossos principais desafios produtivos e societais.

O primeiro grande desafio é a superação do antagonismo entre produção agrícola e industrial. Por isso, no complexo agroalimentar é fundamental avançar na bioindústria, ampliar e fortalecer a produção nacional dos bioinsumos viabilizar novos bens, serviços e rotas biotecnológicas no setor alimentício e na produção agropecuária; reduzir a dependência externa de máquinas, implementos agrícolas, fertilizantes e outros insumos agropecuários e desenvolver equipamentos e soluções digitais para a produção e distribuição de alimentos.

No complexo da saúde é necessário expandir e adensar a produção nacional de produtos e serviços sanitários, em especial de medicamentos, vacinas e equipamentos médicos; é igualmente relevante dominar tecnologias críticas para a produção de bens e serviços ligados à prevenção e ao tratamento de doenças e agravos com maior incidência na população.

Do ponto de vista da infraestrutura, precisamos expandir a malha de transporte, de energia e de telecomunicações, de modo sustentável, com vistas ao adensamento produtivo e desenvolver tecnologias críticas para a conectividade, integrando hardware, software e serviços para 5G e tecnologias relacionadas, incluindo as redes privativas.

Para melhorar nossas relações com os países vizinhos da América do Sul, uma das prioridades em termos de política industrial deve ser a expansão e o adensamento das cadeias regionais de valor e a integração produtiva e logística, em particular para o beneficiamento e agregação de valor em minerais estratégicos.

O complexo da energia já não pode estar dissociado da bioeconomia e da descarbonização. Devemos ter saltos qualitativos em energias renováveis, eletromobilidade, biocombustíveis e hidrogênio verde para avançarmos em direção a um modelo urbano-industrial mais verde e sustentável.

Nas comunicações as tecnologias 4.0 são essenciais para a ampla conectividade e o acesso à nova sociedade do conhecimento. A principal transformação na produtividade da indústria nacional passa pela incorporação dessas tecnologias, sobretudo pelas pequenas e médias empresas. Igualmente a segurança digital e tecnológica passa pelo desenvolvimento das tecnologias digitais emergentes em segmentos estratégicos.

O complexo da defesa, por seu turno, se apresenta como excelente oportunidade para inovações disruptivas, ao passo que a digitalização do setor público pode alavancar relevantes saltos tecnológicos que posteriormente podem extravasar para outros setores.

Nas principais economias globais, dos EUA à China passando pela Europa, do ponto de vista do financiamento, tem se tornado recorrente o uso de subvenções econômicas, incentivos para inovação, compras públicas, participações societárias, créditos e garantias; do ponto de vista da tecnologia, são também frequentes a utilização de estímulos para pesquisa e desenvolvimento, propriedade intelectual, qualificação de capital humano, boas práticas regulatórias e apoio ao comércio exterior.

No caso do Brasil entre as grandes iniciativas que devem ser estimuladas pelo Estado, são fundamentais as potencialidades de programas âncoras de compras públicas, índices adequados e exequíveis de conteúdo local, o fortalecimento dos investimentos públicos, as garantias para o investimento privado e a busca por competitividade e produtividade, sobretudo, em segmentos com elevado empuxe para as cadeias produtivas locais.

A qualificação da mão-de-obra, a geração de empregos de qualidade, assim como o estancamento da fuga de cérebros são também desafios nesse percurso. Além disso, os polos industriais e tecnológicos emergentes merecem fomento e reforço competitivo, por meio da valorização da P&D e infraestrutura mais eficientes, verdes e digitais.

Nesse processo, a reconstrução do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a reativação do Conselho Nacional do Desenvolvimento Industrial (CNDI), a revitalização da capacidade de financiamento ao desenvolvimento industrial do BNDES e a ampliação do investimento da Petrobras são fundamentais como instrumentos de coordenação e indução da nova política industrial.

O Brasil precisa recompor seu parque industrial aumentando a densidade tecnológica e a complexidade da matriz já existente, e, simultaneamente, deve avançar em direção ao desenvolvimento de um novo paradigma tecnológico e societal que faça face aos desafios nacionais e internacionais garantindo uma inserção autônoma e soberana do país.

* William Nozaki é cientista político e economista, assessor especial da presidência do BNDES e secretário-executivo da Comissão Mista BNDES-Petrobras.

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