Opinião
O Brasil precisa de uma indústria naval inovadora e competitiva
A decisão de reconstruir o setor de navegação, a infraestrutura portuária e a indústria naval não é uma orientação ideológica, mas sim um imperativo pragmático
O Brasil dispõe de cerca de 7,4 mil km de costa marítima, pelo mar escoamos 95% do comércio exterior, nas águas atlânticas encontram-se 95% do nosso petróleo, 75% do nosso gás natural e 45% do nosso pescado.
A economia do mar brasileira é composta por um arco que vai da navegação, energia e defesa à pesca, turismo e biodiversidade, o que representa, pelo menos, 4,6% do PIB nacional. Se considerarmos o potencial da energia eólica offshore e a expansão do transporte marítimo, esse valor pode triplicar até 2050.
Sendo assim, é impensável que o Brasil não tenha uma política pública coordenada para garantir a inovação e a competitividade de nossa exportação transoceânica e um modelo de negócios moderno para aproveitar as oportunidades abertas para o setor de navegação e toda a sua cadeia de fornecedores correlata, considerando nossas fortalezas e vocações.
A necessidade se impõe de maneira ainda mais contundente quando consideramos as transformações internacionais no setor. Do ponto de vista geopolítico, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, bem como embargos e tensões comerciais entre países, tem gerado impacto nos fluxos de comércio mundiais e tem acarretado o desvio de rotas de navios mercantes quando não a interrupção da navegação.
Em paralelo, do ponto de vista geoeconômico, a transição energética na navegação se acelera com as resoluções da International Maritime Organization (IMO) para metas de descarbonização do transporte marítimo global e sanções sobre as embarcações que não cumprirem essas definições, impactando o frete.
No caso do Brasil, o BNDES é um importante player nesse processo. O banco é o principal financiador do planejamento espacial marinho brasileiro, tem apoiado a malha logística do país, tem financiado embarcações de diversos portes, tem expertise em metodologia para conteúdo local, tem uma relevante carteira de investimentos e concessões em infraestrutura portuária, possui participações societárias em empresas ligadas à economia do mar e apoia projetos socioambientais para a proteção de biomas marinhos. E recentemente inaugurou a iniciativa BNDES Azul, que busca construir uma visão integrada destas iniciativas ligadas à economia do mar.
Na ocasião mereceu destaque o anúncio da meta de ampliação das aprovações relacionadas ao Fundo da Marinha Mercante (FMM), cujo principal operador é o próprio BNDES. O Fundo tem longa trajetória histórica e papel fundamental no apoio à indústria naval. Os projetos da indústria naval são enquadrados no FMM após análise e deliberação criteriosa de um conselho composto por vários ministérios, bancos, instituições públicas e privadas. As taxas de juros do fundo não contam com qualquer forma de subsídios e são disciplinadas por lei e resoluções do Conselho Monetário Nacional.
Em 2022, o BNDES aprovou R$ 668 milhões em operações de crédito do FMM. Em 2023, já sob a atual gestão de Aloizio Mercadante, esse valor aumentou para R$ 1,0 bilhão. A expansão dos desembolsos reflete a conjuntura favorável do transporte aquaviário, motivada pela forte demanda de embarcações de apoio à exploração offshore de petróleo e gás, e pelo aumento do volume de commodities transportado por hidrovias.
Em 2023, a maior parte do volume aprovado pelo FMM se destinou à modernização, manutenção e reparo de embarcações. Para 2024, com vistas à promoção da transição energética na navegação e à neoindustrialização naval, o BNDES prevê aprovações de pelo menos R$ 2 bilhões com base na perspectiva de projetos já enquadrados pelo conselho diretor do referido fundo.
Nesse contexto, o BNDES reduzirá de 0,24 p.p. a 0,40 p.p. os spreads destinados a operações que financiem a construção de embarcações de carga, de apoio a navegação e offshore, contanto que tais projetos reduzam as emissões de gases do efeito estufa (GEE) em pelo menos 30%, já sinalizando para as novas metas internacionais desenhadas pela IMO. Serão também reduzidos no mesmo montante os spreads para modernização, manutenção e docagem de embarcações, que também contem com projetos de redução de emissões.
Apesar de arcaísmos corporativistas que precisam ser superados, a indústria naval brasileira, tanto militar quanto mercante, dispõem de exemplos exitosos de capacitação, gestão, governança, compliance e conteúdo local resultando em projetos bem desenvolvidos e com sustentabilidade financeira. O BNDES tem um quadro de especialistas qualificados no setor, com foco em construir modelos econômicos sustentáveis para o fomento de uma indústria naval inovadora e competitiva.
O ingresso do BNDES na economia azul busca oportunizar as potencialidades nacionais e internacionais descritas acimas, sem repetir erros do passado e tampouco negligenciar desafios do futuro. Se isso não for feito, o Brasil sofrerá impactos deletérios e definitivos sobre sua produção e seu comércio exterior. A decisão de reconstruir o setor de navegação, a infraestrutura portuária e a indústria naval não é uma orientação ideológica, mas sim um imperativo pragmático, pois se trata de um desafio de Estado que deve ser assumido por uma nação de trajetória transoceânica como é o nosso caso.
* William Nozaki é cientista político e economista, assessor especial da presidência do BNDES e secretário-executivo da Comissão Mista BNDES-Petrobras.