Opinião

Nova estatal, sim. Mas em mercado aberto

Por Redação

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Durante o último ano, e após as grandes descobertas no pré-sal, reacendeu-se a discussão intensa sobre qual seria o sistema mais eficiente para regular o setor de petróleo no país. Obviamente, resta saber ainda, parafraseando o presidente Lula, se o pré-sal na realidade se trata de uma “hipermegajazida”, ou de um “mar de petróleo”.

Dê no der, o importante é que está lá, e é brasileiro. Sendo brasileiro e, portanto, patrimônio de todos os brasileiros, qual a melhor solução legal, o ponto “ótimo” para um modelo de exploração dessas novas jazidas, que ao mesmo tempo contemple os interesses legítimos da nação de se apropriar de maior parcela dos proventos sem afastar investimentos? O desafio é não aumentar ainda mais o já imenso risco envolvido no desafio tecnológico e, sobretudo, financeiro da exploração em águas ultraprofundas e em condições geológicas e geofísicas ainda pouco conhecidas.

Entre as diversas sugestões – voltar para o monopólio, aumentar os royalties e até criar um sistema de partilha de produção – consolidou-se até agora com mais força a idéia do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e de seu secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis, José Lima de Andrade Neto, de se criar uma nova estatal para administrar E&P nas áreas do pré-sal. O argumento é que, desta forma, o Estado poderá controlar melhor os recursos do que na situação atual. A partir deste cenário, entra em debate uma nova questão sobre como seria essa nova estatal, qual seria seu motivo, objetivo, estrutura e responsabilidade.

Tem sido muito discutido se caberia ou não a unitização das reservas do pré-sal já outorgadas a Petrobras e empresas associadas. Fala-se também do aumento de capital da Petrobras, o que deixaria o governo detentor de 60% da empresa, em detrimento da pulverização de ações no mercado de capitais, que injetaria recursos necessários à superação dos grandes desafios do pré-sal, seja nas áreas já concedidas, seja em áreas que venha a explorar, qualquer que seja o formato regulatório a ser definido. Esses dois pontos, contudo, englobam uma grande discussão técnica que não estará contemplada neste artigo.

O exemplo norueguês

Abordaremos apenas a idéia da nova estatal para o pré-sal, e o faremos com olhar comparativo, examinando como situação similar foi equacionada na Noruega, que por anos foi um dos maiores exportadores de petróleo do mundo e teve, durante sua história petrolífera, discussões semelhantes às que vemos no Brasil hoje.

Desde o começo da indústria de petróleo na Noruega, o lucro do Estado adveio de tributos e royalties e da participação estatal direta em E&P. Até 2001, essa participação foi administrada pela Statoil, congênere da Petrobras na Noruega. Logo após a privatização parcial da Statoil (hoje StatoilHydro), em 2001, fundou-se a Petoro AS, uma empresa 100% estatal, para administrar o grande portfólio de licenças do Estado. Foi criado um novo instrumento para controlar o setor sem prejudicar a recém-privatizada Statoil, que, como a Petrobras, já tinha provado ser eficiente, lucrativa e essencial na indústria mundial de petróleo e, em especial, na exploração das reservas do Mar do Norte.

A Petoro AS surgiu como uma empresa que participa de joint ventures com outras petroleiras, mas nunca é operadora. Com apenas 60 funcionários, aporta somente financiamento e experiência. Mesmo tão pequena, hoje é proprietária de quase um terço do total das licenças petrolíferas na Noruega. Seu objetivo é valorizar ao máximo o portfólio de licenças do país.

A maior parte do lucro é encaminhada para um fundo soberano, que investe em várias empresas e setores em todo o mundo, criando um efeito multiplicador daqueles proventos petrolíferos capaz de dinamizar toda a economia norueguesa e mundial, e não apenas a indústria do petróleo. Atualmente, o valor total do fundo é de cerca de US$ 400 bilhões.

Hoje a situação no Brasil tem vários aspectos comparáveis à da Noruega: setor aberto, grandes reservas a serem exploradas em condições adversas e o desejo da União de, no exercício de sua soberania, sem desrespeitar a Constituição, controlar seus recursos naturais com maior amplitude para além do controle acionário da Petrobras.

No esteio das discussões foi criada uma Comissão Interministerial, coordenada pelo próprio MME, com a função de estudar os granting instruments de vários países, analisar a regulação comparada e buscar idéias que se possam aplicar à nova realidade brasileira. A seriedade com que se vêm desenvolvendo esses estudos, para além do mero discurso vazio e das quizilas políticas, é digna de louvor.

Entre os modelos estudados, e dada a inclinação inicial do ministro Lobão, parece levar vantagem a idéia de criação de uma nova estatal, a agora comumente chamada “Petrosal”, que em princípio teria empresas privadas não como parceiras na exploração dos ativos, mas como fornecedoras e prestadoras de serviços (fretamento e operação de sondas, por exemplo).

Os cuidados com a “Petrosal”

Ainda que goze da preferência de grande parte do governo, a criação da “Petrosal” tem de ser aferida com muita cautela. A linha que divide os benefícios dos prejuízos desta opção é muito tênue.

Inúmeros são os fatores que a Comissão Interministerial tem de levar em consideração. A começar pelo vazamento de informação. Não podemos esquecer que grande parte do sucesso atual da Petrobras e do país – porque ainda que a empresa seja mista, tende a confundir-se Petrobras com Brasil e Brasil com Petrobras – na exploração de fronteiras até há pouco tempo consideradas impossíveis deve-se ao capital privado que compõe o equity da estatal, considerada a quinta maior empresa de energia do mundo. A pesquisa e o desenvolvimento tecnológico necessários para diariamente ultrapassar novas fronteiras em condições cada vez mais adversas, ostentando o estandarte do pioneirismo, como foi o caso do desenvolvimento dos sistemas submarinos de exploração na década de 1970, acarretam e representam custos inimagináveis.

Também é preciso cuidado com a reação que terão as empresas que se quer prestadoras de serviços. Hoje faltam no mundo não apenas sondas para afretamento, bem como slots disponíveis em estaleiros para construção de novas unidades. Faltam também empresas e mão-de-obra especializada capaz de operar estas sondas.

Fala-se da necessidade de até 40 unidades de perfuração para explorar o pré-sal, sem incluir toda a miríade de outras unidades offshore de suporte, armazenamento e transporte de óleo e gás, e ainda os sistemas de oleodutos e gasodutos necessários para a monetização dessas reservas.

Apenas para se ter uma idéia, um navio-sonda custa hoje em torno de US$ 650 milhões a US$ 750 milhões, e os estaleiros internacionais não têm no momento capacidade disponível para a construção de mais de um quarto desta demanda. A diária de afretamento de uma unidade existente gira em torno de US$ 500 mil.

Vê-se logo que estamos diante de tarefa hercúlea, talvez sem paralelo no mundo do petróleo atual.
Em certos países onde foi adotado sistema regulatório em que empresas estrangeiras podem apenas ser prestadoras de serviço, viu-se não raro, com poucas exceções, um desinteresse por parte de grandes players mundiais em atuar naqueles mercados. A própria Petrobras só em condições excepcionalíssimas atua internacionalmente como mera prestadora de serviços, como em Angola.

Portanto, é preciso cuidado. O mercado internacional está carente de empresas e pessoal especializado para operar sondas offshore. Todo cuidado é pouco para não afastar essas companhias e recursos humanos especializados. Se por um lado o Brasil cresce e, cada vez mais, forma quadros técnicos (a Petrobras provavelmente dobrará ou triplicará seu número de funcionários) por outro isso ainda levará tempo. Tempo do qual hoje não se dispõe.

Muita cautela é necessária nesta fase, sobretudo para não penalizar os investidores privados, cujo capital tem sido tão determinante. Em alguma medida, graças a eles a Petrobras e o país se encontram agora neste impasse legislativo característico das grandes potências mundiais de produção petrolífera.

As restrições da partilha

Outra situação delicada é a expectativa, criada em grande parte por manifestações extemporâneas de interlocutores não avalizados, e ‘fermentada’ por um quê de alvoroço midiático, de que o atual regime de concessões via leilão aberto se tranforme em regime de Production Sharing Agreement (PSA). São rumores perigosos. A questão deveria ser tratada com mais rigor e menos “pitaco”. Viu-se isto em outros países muito próximos, e os resultados já começam a surgir: fuga de investimentos, de recursos de financiamento, de operadoras, de prestadores de serviço. Enfim, observa-se o esvaziamento da indústria petrolífera, cujos efeitos serão sentidos de forma mais aguda dentro de cinco a dez anos, talvez.

Além disso, é necessário não ofuscar com o pré-sal o que de mais há na indústria petrolífera brasileira. O onshore e a exploração em águas rasas e de média profundidade (e todas aquelas áreas não marcadas com bandeira do “pré-sal”) também são necessários. Várias empresas dependem da licitação de novos blocos para dar continuidade à persecução de seu objeto social, que em última instância representa a criação de novos empregos, o desenvolvimento de mais produtores de bens e prestadores de serviços e das localidades onde se inserem. É preciso, portanto, que em paralelo à questão do pré-sal, sejam definidos rapidamente quando e como se processarão a 10ª rodada da ANP e a parte não realizada da 8ª.

Parece-nos, assim, que a opção pela “Petrosal” pode representar uma solução viável, desde que inserida num ambiente de livre concorrência para tudo o que não seja o pré-sal, ou seja, em um ambiente de manutenção do atual marco regulatório tanto quanto possível e com absoluto respeito aos contratos já celebrados. Nessa linha de raciocínio, é necessário, sobretudo, respeitar as áreas já licitadas do próprio pré-sal, isto como sinal de estabilidade regulatória e respeito aos contratos e à Constituição.

É preciso, ainda, não deixar que a “Petrosal” vá além do próprio pré-sal, para que não contamine o sistema regulatório. A entrada da nova estatal na competição por áreas fora dessa região, ou ainda a virada brusca para um novo modelo de granting instrument, que foi objeto de rumores recentes, afastaria investimento estrangeiro e, em particular, players que, como já visto, são imprescindíveis para o funcionamento da indústria de petróleo brasileira em seu atual patamar.

Posto isso, teríamos uma nova empresa estatal com a exclusividade para explorar as áreas não-licitadas do pré-sal, ou em parceria com empresas privadas (necessariamente deveriam ser objeto de regime licitatório em suas determinações), ou por meio de um regime em que as empresas privadas são meras prestadoras de serviço e fornecedores. Essa empresa, porém, estaria excluída de rodadas de licitação sucessivas em novas áreas de exploração fora do pré-sal.

*Heller Redo Barroso, Klaus Doscher, Ana Luiza Cruz Vizaco e Bashir Karim Vakil são advogados especialistas em petróleo e gás e petroleum offshore industry do Escritório Bastos-Tigre

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